terça-feira, 5 de março de 2013

Desvantagem na largada

O novo plano do MEC para garantir alfabetização a todas as crianças prevê que elas cheguem lá até os 8 anos — meta que nos coloca atrás das nações mais desenvolvidas

A educação brasileira atravessou os séculos numa zona de som­bra em que não se sabia nem mesmo quantas escolas havia no país — muito menos em que nível elas estavam e aonde deveriam chegar. O vasto rol de termômetros e rankings do ensino tratou de sepultar esses tempos mais obscuros e abriu espaço na sala de aula para um hábito ao qual o Brasil ain­da não é tão afeito: o de traçar metas. Na semana passada, uma delas — da mais suma importância — passou pelo crivo da Câmara dos Deputados e agora aguar­da a apreciação do Senado. Trata-se da medida provisória federal que estabele­ce que toda criança seja alfabetizada até os 8 anos de idade — "prioridade das prioridades" para o ministro da Educa­ção, Aloizio Mercadante. Com 1,4 mi­lhão de crianças entre 7 e 14 anos ainda iletradas no país, não há dúvida de que a iniciativa, inédita, toca em um nó que, se desatado, terá efeitos positivos de longuíssimo alcance. Mas também lança um ponto de interrogação sobre uma questão à qual pouco se atentou durante todo o debate — e é crucial: por que es­perar de crianças de escolas públicas que se alfabetizem até os 8 anos, quando nos colégios particulares, assim como em to­do o mundo desenvolvido, elas chegam lá no máximo, aos 7?

A diferença de expectativas tende a agravar o abismo que já separa a rede pública da rede privada no Brasil, temem os especialistas ouvidos por Veja. E essa discrepância pode se fazer sentir não só no princípio, mas por todo o ciclo escolar. Um estudo do americano James Heckman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, mostra que, quanto mais cedo a criança recebe estímulos cognitivos, menos tempo ela precisa pra reter novos conhecimentos. Se já re[une um repertório razoável de palavras, suas chances de avançar no saber crescem exponencialmente. "Quem sabe mais aprende mais, num ciclo virtuoso que devemos estender a todos", resume Heckman. "Aceitar logo de saída que uma criança seja alfabetizada mais tardo di que outra aniquila a ideia de que a sala de aula deve gerar oportunidades iguais para todos. Só agrava o apartheid educacional que já distancia alunos de escolas públicas e privadas", enfatiza Claudia Costin, secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, onde pais e professores selaram um pacto comprometendo-se a fazer a sua parte para que todos saibam ler até o fim do 1º ano do ensino fundamental - em média , aos 6 anos.

Vista como um todo, a medida pro­visória, que custará ao governo 2,7 bi­lhões de reais até 2014, ancora-se em pilares acertados: estabelece prazos, avalia resultados, premia os melhores. No pacote, está sendo formulado um currículo nacional que vai nortear as aulas do 1º ao 3º ano. A existência de um bom roteiro para o professor ensi­nar é das iniciativas de maior resultado na sala de aula — mas, por um misto de inépcia de autoridades e resistência de uma ala de educadores que se vê to­lhida em sua liberdade de ensinar, é ainda rara nas redes públicas. Também se prevê que os 360 000 professores alfabetizadores sejam remunerados para reforçar seus estudos aos sábados e re­cebam livretos com estratégias para ensinar, área que boa parte das facul­dades de pedagogia apenas tangencia, ou ignora. O MEC aplicará ainda uma prova para aferir o nível de conhecimento dos alunos ao final do 3º ano. E as escolas que se saírem melhor rece­berão um bônus. Os 26 estados e mais de 5 000 municípios que até agora assi­naram o chamado Pacto Nacional pela Alfabetização terão direito a verbas.

Em 2012, o MEC enviou ao Conse­lho Nacional de Educação o novo cur­rículo para os primeiros anos do ensino fundamental. Seu conteúdo ainda não veio a público, mas especialistas que já se debruçaram sobre o documento aler­tam para o fato de que lhe falta objetivi­dade. “É confuso e pouco assertivo quanto às exigências", observa a espe­cialista Ilona Becskeházy. que se dete­ve sobre currículos de países como Portugal e Canadá, segundo ela muito mais específicos em relação às expec­tativas de aprendizado. "Precisamos de uma vez por todas definir quais habili­dades devem ser assimiladas, ano a ano" reforça Maria Helena Guima­rães, presidente da Fundação Seade, em São Paulo. Ainda há tempo para la­pidar o texto final. Vale o empenho. Hoje, apenas um de cada quatro brasi­leiros adultos é considerado plenamen­te alfabetizado — ou seja, consegue depreender sentido de um texto mais complexo. Só com muita ambição aca­dêmica será possível reverter cenário tão desolador.

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