domingo, 14 de setembro de 2014

Conheça as propostas do candidato Paulo Câmara para a cultura pernambucana


ENTREVISTA

Na reta final de campanha, o Jornal do Commercio entrevistou os candidatos ao Governo do Estado de Pernambuco

Karol Pacheco



Foto: Guga Matos/JC Imagem



JORNAL DO COMMERCIO - A Fundação do Patrimônio Artístico e Histórico de Pernambuco (Fundarpe) tem um papel-chave na gestão cultural do Estado. A começar pela manutenção dos patrimônios material e imaterial, mas que no decorrer destes 40 anos do órgão terminou ficando em segundo plano quando comparada às ações de execução de eventos. Qual a proposta de seu governo para a Fundarpe, tanto com relação à produção destes eventos quanto à política de patrimônio?



PAULO - A atividade de Preservação Cultural da Fundarpe está em atividade desde 1973. Atualmente, esse importante eixo da nossa gestão cultural implementa, coordena e supervisiona as atividades relacionadas à política de preservação, restauração, recuperação, conservação e valorização do patrimônio cultural pernambucano. Essa atividade ganhou força a partir de 2011 com a implantação de uma política de preservação do patrimônio cultural, que visa desenvolver o Sistema Estadual de Preservação. 

Como destaque recente cito a aquisição e restauração do Cinema São Luiz pelo Governo do Estado. Em 2013, diversas obras de reparos em equipamentos culturais também foram realizadas, a exemplo das obras de acessibilidade no Museu do Estado. Além disso, um novo equipamento será entregue, em breve, à população: a Estação Central Capiba (Museu do Trem). 

No meu Governo, vou promover uma ampliação da Fundarpe, com a readequação da estrutura física; recomposição do quadro de pessoal; criação de um fundo específico para preservação e manutenção do Patrimônio Histórico e Cultural do Estado; revisão da Lei do Patrimônio Vivo; e elaboração de Planos de salvaguarda para o Patrimônio Imaterial. 


JC - Nos últimos anos, com o Funcultura, a Fundarpe se voltou para a execução e para a viabilização de projetos culturais. No próprio Fundo, que atualmente dispõe de recursos na ordem dos R$ 32 milhões por ano, ainda há muita concentração deste aporte no Grande Recife. O que o candidato propõe para interiorização do fomento à produção cultural?


PAULO - O desafio, na área cultural, é consolidar uma política permanente, com ações de incentivo, difusão, formação, regionalização, reconhecimento e valorização da diversidade cultural, alcançando todas as suas expressões e tendo como horizonte o patrimônio e a memória. Vou fortalecer a produção cultural, por entender que é um instrumento de ampliação e aprofundamento da cidadania, mas também de desenvolvimento econômico e social. Assim, com o objetivo de descentralizar o fomento à produção cultural pelo Funcultura, serão priorizadas duas ações: 

(a) Criar um programa de capacitação de artistas e produtores culturais, com vistas à qualificação de projetos para participação no Funcultura. 

(b) Regionalizar o Funcultura, destinando recursos para projetos culturais de artistas e produtores de cada uma das regiões de desenvolvimento do Estado.


JC - Na última edição do Edital Independente do Funcultura, dos 1.516 projetos inscritos no programa, mais de 80% não foram habilitados. Este panorama aponta para uma demanda reprimida na produção cultural do Estado. Como sua gestão pretende viabilizar o escoamento desta produção?


PAULO - Como dito, vou criar um programa de capacitação de artistas e produtores culturais, com objetivo de qualificar os projetos para participação no Funcultura, bem como, vou regionalizar a aplicação dos recursos, permitindo ampliar o número de beneficiados. 


JC - Alguns equipamentos público culturais do Estado carecem de um olhar mais cuidadoso dos seus gestores. Para citar alguns exemplos, temos a situação do Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco (MAC), em Olinda, que há meses não recebe uma programação nova ou sequer tem um programa de visitação mais ativo; o centenário Cine-Teatro Polytheama, em Goiana, também se agenda; e do Museu do Estado de Pernambuco (Mepe), sustentando-se e movimentando-se hoje graças à iniciativa privada. Qual é a preocupação do candidato com a reestruturação desses espaços culturais e, sobretudo, com a manutenção física e de conteúdo deles?


PAULO - É importante frisar, que o Cine-Teatro Polytheama de Goiana, não é de propriedade do Governo do Estado e, sim, da Prefeitura local. Foram iniciadas tratativas para que o referido equipamento fosse administrado pela Fundarpe, no entanto, o convênio ainda não foi firmado. O que existe é uma colaboração da parte do Estado para a manutenção do referido equipamento, sendo a programação cultural de responsabilidade da Prefeitura. 

No que se refere aos demais equipamentos, pretendo implantar um calendário de programação cultural permanente, tendo como forma de acesso a seleção de projetos culturais, a partir da vocação de cada equipamento.


JC - Desde 2012, espera-se a conclusão do 48º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. Por ser um programa de estímulo à produção de arte no Estado, a classe artística sente falta deste fomento. Como sua gestão pretende estabilizar este panorama?


PAULO - Uma das prioridades da política cultural será a realização periódica do Salão das Artes Plásticas, como estratégia de fomento ao segmento.


JC - Quais são os planos voltados para os povos tradicionais, células fundamentais na identidade cultural do Estado?


PAULO - Vou ampliar o trabalho já existente na Coordenação para Povos Tradicionais e Populações Rurais, que teve suas atividades iniciadas em janeiro de 2012 e desenvolve uma política inédita, especialmente voltada para esses grupos tão presentes e importantes na cultura de Pernambuco. Tal Coordenação tem promovido apoio cultural, articulação com os povos, estudos e pesquisas e atividades de fomento e difusão. 

Entre os povos tradicionais apoiados pela Secretaria de Cultura estão os quilombolas, indígenas, ciganos, além daqueles que vivem em assentamentos e acampamentos rurais. A coordenação mantém diálogo com as 12 etnias indígenas existentes em Pernambuco, com 80 comunidades quilombolas e ainda realiza ações em parceria com 10 grupos ciganos e 25 comunidades rurais.


JC - Qual a proposta para a inserção da sociedade civil no quesito gestão democrática da cultura?


PAULO - Tenho clareza da necessidade de aprimorar permanentemente os canais de participação da sociedade na Gestão Pública, assim é que, o meu programa de governo foi construído e amplamente discutido com a sociedade. 

No que se refere especificamente à questão cultural, será dada continuidade às iniciativas em andamento, como o Projeto de Lei que tramita na Assembleia Legislativa e tem o propósito de criar o Conselho Estadual de Cultura e o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural, dentre outras propostas. 

Além disso, pretendo fortalecer os fóruns regionais e setoriais de cultura, ampliando a representatividade e democratizando o acesso. 


JC - Um dos calos do setor cultural pernambucano é o Conselho Estadual de Cultura. Em maio deste ano, em audiência na Assembleia Legislativa, a sociedade civil e os parlamentares debateram a Proposta de Lei 1932/2014, que sugere um novo modelo do CEC. Foram discutidos os moldes de escolha dos membros do Conselho (indicação ou votação), a remuneração deles, a vitalidade nos cargos e a necessidade de divisão entre um conselho de patrimônio e um de política cultural. Qual a sua posição diante desta PL?


PAULO - A posição que conduza a um avanço nas relações entre o Legislativo, o Executivo e os representantes da Sociedade Civil. 


JC - Neste ano o Ministério da Educação determinou que as escolas devem exibir o mínimo de duas horas mensais de produção de cinema nacional, assim como a música, que também se tornou conteúdo obrigatório nas salas de aula. Unindo as secretarias de Educação e Cultura, como o seu governo pretende se adequar a esta demanda?


PAULO - É nosso compromisso fortalecer a integração entre Educação e Cultura. Entendo que a escola precisa ser compreendida como um espaço de consumo e difusão cultural. Assim, no meu Governo, vou incluir a disciplina Artes e Cultura em todas as escolas da Rede Estadual, bem como, vou ampliar o projeto Cine Cabeça para todas as regiões de desenvolvimento do Estado. 

Ainda com relação ao ensino-aprendizado de conteúdos culturais será incentivada a leitura de biografias de grandes mestres da nossa cultura, bem como livros dos nossos escritores e poetas. No sistema educacional será promovido um calendário regular de integração dos alunos com as atividades culturais do Estado, assim como a requalificação e utilização das bibliotecas públicas. 

A partir desses estímulos e da universalização do acesso às Escolas de Referência, que funcionam em tempo integral, pretende-se uma redução no abandono escolar, no consumo de drogas, e, por consequência, a ampliação da consciência cidadã.


JC - A cultura tem um papel de fortalecimento da atividade econômica, a exemplo da Fenearte que movimenta mais de R$ 40 milhões com os negócios do artesanato. Como a sua gestão pretende esse elo entre as secretarias de Cultura e Economia?


PAULO - Vou consolidar a Incubadora de Economia Criativa, espaço de formação, qualificação e consultoria em inovação, planejamento estratégico, assessoria contábil, jurídica, de comunicação e marketing, para novos empreendimentos culturais e criativos. O objetivo é potencializar iniciativas empreendedoras em todo o Estado. 

Além disso, vou implantar os Territórios da Criação, espaços onde as atividades culturais já existentes, receberão apoio para que funcionem como Centros de Referência em Cultura. 


JC - Pernambuco foi um dos estados pioneiros no fortalecimento das ações de economia criativa, sobretudo nos setores de tecnologia. Porém, há quase quatro anos a Secretaria de Cultura tenta criar uma incubadora cultural, que vai dar assistência e assessoria técnica e jurídica a grupos e artistas de cultura de raiz. Mas este projeto ainda não se concretizou. Como o seu governo se posicionará com relação a isto?


PAULO - A Incubadora de Economia Criativa é uma parceria do Estado com o Ministério da Cultura e a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, e tem previsão de ser inaugurada no próximo dia 16/09. 

A Incubadora se destina a ser um espaço de formação, qualificação e consultoria em inovação, planejamento estratégico, assessoria contábil, jurídica, de comunicação e marketing, para novos empreendimentos culturais e criativos. 

A Incubadora Pernambuco Criativo se fará presente na Região Metropolitana do Recife e em mais cinco regiões do estado: Goiana (Mata Norte), Caruaru (Agreste Central), Garanhuns (Agreste Meridional), Salgueiro (Sertão Central) e Petrolina (Sertão do São Francisco).


JC - A gestão atual deu autonomia à sociedade civil para a execução de projetos que visem fomentar a cultura no Estado. Como o seu governo pensa em trabalhar a formação de produtores culturais, sobretudo nas microrregiões, além do Recife e da Região Metropolitana?


PAULO - O Festival Pernambuco Nação Cultural (FPNC), criado em 2008, incorporou em 2011 um formato descentralizado, que busca levar a todas as regiões do Estado, programações gratuitas de difusão e formação cultural. Teve início com 5 edições anuais, atingindo desde 2011 até 2013, uma média de 10 edições por ano, percorrendo todas as regiões pernambucanas. 

O festival não inclui apenas shows de artistas pernambucanos e nacionais, mas ainda mostras de todas as linguagens artísticas (cinema, teatro, dança, circo, fotografia, artesanato, etc), encontros de cultura popular e de povos tradicionais, além de oficinas e seminários integram as edições do FPNC, com destaque para o Festival de Inverno de Garanhuns. 

Na minha gestão, darei continuidade ao FPNC, podendo promover aperfeiçoamento, com base em propostas que decorram da escuta junto ao segmento cultural e a sociedade. 


JC - Um dos projetos políticos mais defendidos e incentivados pela última gestão do governo foi o Festival Pernambuco Nação Cultural, que se consolidou como a execução da política cultural pensada pelo Estado. Isto é, além de shows, o Festival ampliou a abrangência do antigo Circuito do Frio e fomentou oficinas de formação cultural e a inclusão de outras linguagens artísticas nestes eventos que acontecem da capital ao Sertão. A sua gestão pretende manter o Festival? Haverá mudanças?


PAULO - Pernambuco aderiu formalmente ao Sistema Nacional de Cultura – SNC, por iniciativa do Governador Eduardo Campos, ainda em 2013. O tripé do SNC é o CPF (Conselho, Plano e Fundo de Cultura). O Fundo de Cultura já existe (Funcultura), bem estruturado, carecendo, apenas, de pequenas adequações. O Plano Estadual de Cultura está sendo elaborado por comissão designada pela Secretaria de Cultura. O Projeto de Lei dos Conselhos Estadual de Cultura e de Preservação do Patrimônio Cultural está tramitando na Assembleia Legislativa. 

Cada Estado, segundo as normas de implementação do Sistema Nacional de Cultura, tem dois anos para concluir o processo de adesão, mas em Pernambuco, o Sistema será implementado antes do prazo mencionado. De outro modo, o Governo Federal ainda não implementou integralmente o FNC, bem como não definiu o orçamento suficiente para que o mesmo funcione.


JC - Pernambuco foi o último Estado a aderir ao Sistema Nacional de Cultura (SNC), responsável por repasses para as instâncias culturais estaduais. Como a sua gestão se posicionará frente a esta antiga demanda da classe artística pernambucana?


PAULO - Pernambuco aderiu formalmente ao Sistema Nacional de Cultura – SNC, por iniciativa do Governador Eduardo Campos, ainda em 2013. O tripé do SNC é o CPF (Conselho, Plano e Fundo de Cultura). O Fundo de Cultura já existe (Funcultura), bem estruturado, carecendo, apenas, de pequenas adequações. O Plano Estadual de Cultura está sendo elaborado por comissão designada pela Secretaria de Cultura. O Projeto de Lei dos Conselhos Estadual de Cultura e de Preservação do Patrimônio Cultural está tramitando na Assembleia Legislativa. 

Cada Estado, segundo as normas de implementação do Sistema Nacional de Cultura, tem dois anos para concluir o processo de adesão, mas em Pernambuco, o Sistema será implementado antes do prazo mencionado. De outro modo, o Governo Federal ainda não implementou integralmente o FNC, bem como não definiu o orçamento suficiente para que o mesmo funcione.


JC - Pernambuco hoje vive um grande momento no cinema por conta de incentivo estadual, em detrimento das outras linguagens. Existe algum projeto específico para fomentar as demais cadeias produtivas?


PAULO - Sim, vou ampliar os recursos do Funcultura e equacionar a distribuição dos recursos do fundo para atendimento a todas as linguagens culturais.


JC - Por meio de emendas parlamentares, até o final de julho, R$ 19,5 milhões foram destinados para a realização de shows no interior do Estado. Segundo a estimativa das solicitações feitas pelos deputados, a previsão é que mais R$ 9 milhões sejam usados para este fim. O que o candidato acha dessas contratações?


PAULO - Se fosse deputado, eu não apresentaria emendas destinadas a shows. Acredito que existem áreas mais importantes para a população, mais estratégicas para o desenvolvimento econômico e social dos municípios.


JC - Quais os planos em relação à Companhia Editora de Pernambuco (Cepe)? De que forma o seu governo pode incentivar lançamentos de publicações de autores pernambucanos e escoar a produção literária estadual, especialmente nas bibliotecas públicas estaduais, nos mais diversos formatos?


PAULO - Vou fortalecer a integração entre as ações da CEPE e a política cultural executada pela Secretaria de Cultura e Fundarpe, em especial, aquelas atividades de Literatura e do Funcultura. Outra proposta é rever o plano estadual de gestão das bibliotecas estaduais, com o objetivo de integrá-las as estratégias da CEPE, estimulando a leitura e provocando a ação cultural.

Fonte: Jornal do Commercio

Conheça as propostas de Armando Monteiro para a cultura pernambucana

ENTREVISTA

Na reta final de campanha, o Jornal do Commercio entrevistou os candidatos ao Governo do Estado de Pernambuco


Karol Pacheco



Foto: Heudes Régis/JC Imagem


JORNAL DO COMMERCIO - A Fundação do Patrimônio Artístico e Histórico de Pernambuco (Fundarpe) tem um papel-chave na gestão cultural do Estado. A começar pela manutenção dos patrimônios material e imaterial, mas que no decorrer destes 40 anos do órgão terminou ficando em segundo plano quando comparada às ações de execução de eventos. Qual a proposta de seu governo para a Fundarpe, tanto com relação à produção destes eventos quanto à política de patrimônio?

ARMANDO MONTEIRO - A Fundarpe tem um histórico importante de contribuição à Cultura pernambucana, que tem que ser resgatado, através da valorização de seu corpo técnico e de uma avaliação de suas atribuições e desempenho nos últimos anos. Ela precisa ser repensada no seu papel institucional para ter melhores condições de promover a Cultura e cuidar do rico e diversificado patrimônio cultural de Pernambuco, por meio de integração de suas ações com as demais áreas do Governo do Estado, sobretudo a Educação e o Turismo ,e também de um melhor planejamento e maior articulação com a sociedade, além de uma política de interiorização.

JC - Nos últimos anos, com o Funcultura, a Fundarpe se voltou para a execução e para a viabilização de projetos culturais. No próprio Fundo, que atualmente dispõe de recursos na ordem dos R$ 32 milhões por ano, ainda há muita concentração deste aporte no Grande Recife. O que o candidato propõe para interiorização do fomento à produção cultural?

ARMANDO - A Interiorização do desenvolvimento constitui um dos elementos estruturadores previstos para nortear a atuação do Governo do Estado, não apenas na área da Cultura, mas em todos os programas e políticas públicas. Se fará por meio de uma estratégia de apoio e cooperação com os municípios, mobilizando e articulando o setor privado, as universidades e o meio acadêmico em geral, e estabelecendo parcerias com o Governo Federal. A Interiorização, a descentralização e a desconcentração econômica deverão ser a base de um projeto coletivo para criar melhores condições de que o desenvolvimento econômico de Pernambuco se faça de maneira mais equilibrada e justa repartindo com as pessoas e as regiões os benefícios do crescimento.

Pernambuco não pode mais conviver com o processo de excessiva concentração da atividade produtiva e de investimentos numa região do estado sem contemplar o interior.

O Funcultura precisa passar por uma avaliação e revisão. É necessário estabelecer um debate amplo para redefinição de novas fontes de recursos, parcerias e objetivos,e é imprescindível promover a desconcentração das ações e da destinação de recursos, ainda fortemente alocados na RMR, de modo a contemplar projetos, segmentos e atores culturais de outras regiões, onde há manifestações artísticas e culturais importantes, vocações, linguagens e produção que devem ser apoiadas e incentivadas.

JC - Na última edição do Edital Independente do Funcultura, dos 1.516 projetos inscritos no programa, mais de 80% não foram habilitados. Este panorama aponta para uma demanda reprimida na produção cultural do Estado. Como sua gestão pretende viabilizar o escoamento desta produção?

ARMANDO - Esta questão está inserida na resposta acima, quando defendemos a avaliação e revisão do Funcultura, entre outras razões exatamente para atender de forma mais justa as demandas e necessidades e criar melhores condições para corrigir as muitas distorções que ainda persistem no sistema atual.

JC - Alguns equipamentos público culturais do Estado carecem de um olhar mais cuidadoso dos seus gestores. Para citar alguns exemplos, temos a situação do Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco (MAC), em Olinda, que há meses não recebe uma programação nova ou sequer tem um programa de visitação mais ativo; o centenário Cine-Teatro Polytheama, em Goiana, também se agenda; e do Museu do Estado de Pernambuco (Mepe), sustentando-se e movimentando-se hoje graças à iniciativa privada. Qual é a preocupação do candidato com a reestruturação desses espaços culturais e, sobretudo, com a manutenção física e de conteúdo deles?

ARMANDO - Acreditamos que um estado desenvolvido é aquele que cuida bem da formação das pessoas. E isto, de imediato revela a prioridade que damos , antes de qualquer outro fator, à Educação (em todos os níveis, desde o Ensino Fundamental), à Saúde e à Segurança, ao Meio Ambiente e à Cultura. Não poderemos construir o desenvolvimento sustentável de Pernambuco sem que estes temas, de maneira integrada, sejam tratados com prioridade. 

O patrimônio cultural é parte integrante dos valores, da alma e da memória de um povo. Tem que merecer cuidados e atenção para que a população possa usufruir e compartilhar destes bens. É necessário uma atualização da catalogação e cadastramento deste patrimônio em cada região para manter, recuperar, explorar e promover este acervo. É urgente estabelecer novos modelos de parceria e a definição de ampla articulação, com os municípios, com o setor privado, as instituições e organismos (públicos, privados) e o Governo Federal para estabelecer políticas e programas de apoio e cooperação neste sentido. E, antes de tudo isto, é necessário restabelecer o diálogo com o segmento cultural para discutir, planejar e criar alternativas de solução.

JC - Desde 2012, espera-se a conclusão do 48º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. Por ser um programa de estímulo à produção de arte no Estado, a classe artística sente falta deste fomento. Como sua gestão pretende estabilizar este panorama?

ARMANDO - Este tema, embora específico, está inserido no conjunto mais amplo da nova política cultural que deve ser implantada em Pernambuco (acima).

JC - Quais são os planos voltados para os povos tradicionais, células fundamentais na identidade cultural do Estado?

ARMANDO - Temos uma diretriz muito clara e um posicionamento firme no campo do respeito aos direitos humanos, que orienta todas as nossas posturas e ações em relação aos segmentos sociais ainda não adequadamente valorizados em nosso estado. Em relação a este aspecto na área cultural, temos a compreensão de sua importância na formação da identidade da sociedade pernambucana e o valor de seus costumes e manifestações para o enriquecimento da nossa matriz cultural. Serão, sim, objeto do apoio e da valorização, por meio de sua inserção no debate e de sua participação como agentes do processo de fortalecimento e de redefionição da nossa política cultural.

JC - Qual a proposta para a inserção da sociedade civil no quesito gestão democrática da cultura?

ARMANDO - Acredito que a base desta inserção democrática é a participação dos diversos segmentos da sociedade, principalmente daqueles direta e indiretamente envolvidos com o tema, nesta convocação e mobilização para o debate e a discussão de uma nova política cultural. Na verdade, já agora na campanha eleitora, isto o já acontece como prática de nossa coligação, na medida em que estamos elaborando o Plano de Governo com base na discussão com a sociedade, por meio de debates e com a realização de plenárias setoriais, entre outros. 

JC - Um dos calos do setor cultural pernambucano é o Conselho Estadual de Cultura. Em maio deste ano, em audiência na Assembleia Legislativa, a sociedade civil e os parlamentares debateram a Proposta de Lei 1932/2014, que sugere um novo modelo do CEC. Foram discutidos os moldes de escolha dos membros do Conselho (indicação ou votação), a remuneração deles, a vitalidade nos cargos e a necessidade de divisão entre um conselho de patrimônio e um de política cultural. Qual a sua posição diante desta PL?

ARMANDO - A redefinição do Conselho, desde a sua composição e atribuições até os critérios para escolha dos membros e outros mecanismos para torná-lo mais representativo e atuante sáo aspectos de uma situação que já expusemos acima: a necessidade de revisão do sistema de cultura e do modelo vigente e a importância de democratizar as decisões por meio da ampliação e manutenção do diálogo e da participação. Isto é saudável e deve ser analisado e discutido à luz dos objetivos e diretrizes para o setor da Culçtura e da estratégia do Governo estadual para a efetiva implantação e operacionalização dos programas e políticas para este setor.

JC - Neste ano o Ministério da Educação determinou que as escolas devem exibir o mínimo de duas horas mensais de produção de cinema nacional, assim como a música, que também se tornou conteúdo obrigatório nas salas de aula. Unindo as secretarias de Educação e Cultura, como o seu governo pretende se adequar a esta demanda?

ARMANDO - Esta é uma grande evolução, Esta demanda específica, aponta na linha do que estamos propondo, ou seja: tratar a Cultura de maneira integrada a outras áreas , sobretudo a Educação. Neste particular, nossa compreensão é a de que a vida escolar requer além dos currículos básicos, a sua complementação por meio de atividades de lazer, esportes e cultura. Esta proposta, aliás permeia a ideia de uma escola em tempo integral, que deve oferecer aos alunos uma formação atraente e multidisciplinar para motivá-los a permanecer por mais tempo na escola. É muito importante acrescentar a isto a formação técnica para qualificação profissional no Ensino Médio.

JC - A cultura tem um papel de fortalecimento da atividade econômica, a exemplo da Fenearte que movimenta mais de R$ 40 milhões com os negócios do artesanato. Como a sua gestão pretende esse elo entre as secretarias de Cultura e Economia?

ARMANDO - A Economia Criativa vem ocupando crescentemente um espaço importante na composição do produto estadual. É uma tendência em todo o Brasil e também noutros países. A Fenearte veio para ficar e abriu espaço importante para artistas e pequenos empresários, que viram neste ambiente uma perspectiva de crescer e de expor e comercializar o seu produto. É preciso, todavia, criar condições para a interiorização da Fenearte, fortalecer e ampliar a participação dos artesãos.

JC - Pernambuco foi um dos estados pioneiros no fortalecimento das ações de economia criativa, sobretudo nos setores de tecnologia. Porém, há quase quatro anos a Secretaria de Cultura tenta criar uma incubadora cultural, que vai dar assistência e assessoria técnica e jurídica a grupos e artistas de cultura de raiz. Mas este projeto ainda não se concretizou. Como o seu governo se posicionará com relação a isto?

ARMANDO - Esta questão do distanciamento do Governo estadual em relação ao segmento de TIC e de Inovação, também se reproduz em toda a cadeia produtiva da Economia Criativa. É imprescindível estabelecer o diálogo institucional e criar mecanismos de participação para enriquecer e dar maior representatividade ao planejamento e à execução das políticas e programas setoriais. As queixas, neste sentido se multiplicam e têm feito com que oportunidades importanntes de negócios sejam desperdiçadas, apesar de haver em Pernambuco experiências exitosas como o Porto Digital, por exemplo, na área de TIC e tantos projetos de valor como este da Incubadora cultural, que não saiu do papel ainda, exatamente por falta de interlocução, apoio e decisão política.

JC - A gestão atual deu autonomia à sociedade civil para a execução de projetos que visem fomentar a cultura no Estado. Como o seu governo pensa em trabalhar a formação de produtores culturais, sobretudo nas microrregiões, além do Recife e da Região Metropolitana?

ARMANDO - Creio que esta questão terá um encaminhamento positivo a partir da efetivação de políticas consistentes de interiorização, da valorização da Cultura e do tratamento prioritário à Educação, conforme exposto nas respostas anteriores.

JC - Um dos projetos políticos mais defendidos e incentivados pela última gestão do governo foi o Festival Pernambuco Nação Cultural, que se consolidou como a execução da política cultural pensada pelo Estado. Isto é, além de shows, o Festival ampliou a abrangência do antigo Circuito do Frio e fomentou oficinas de formação cultural e a inclusão de outras linguagens artísticas nestes eventos que acontecem da capital ao Sertão. A sua gestão pretende manter o Festival? Haverá mudanças?

ARMANDO - Este ponto é primordial para a realização das políticas que estamos propondo dentro do Programa Estadual de Cultura e coerente com o nosso slogan de que Pernambuco precisa ir "mais longe". O Festival não pode se restringir à promoção de shows, Eles são importantes e continuarão a ser promovidos,mas FPNC deve ser fortalecido e ampliado com a inserção das escolas públicas e privadas participando ativamente na programação dos eventos e das oficinas para servir também como elemento importante de formação cultural de artistas e produtores, entre outras.

JC - Pernambuco foi o último Estado a aderir ao Sistema Nacional de Cultura (SNC), responsável por repasses para as instâncias culturais estaduais. Como a sua gestão se posicionará frente a esta antiga demanda da classe artística pernambucana?

ARMANDO - Pernambuco não pode estar dissociado do SNC como referência para a política cultural do estado. Esta defasagem prejudicou a necessária articulação com o nível federal e enfraquece a promoção de iniciativas que demandam maior apoio e incentivo. Para que isto não volte a acontecer, não há outro caminho que não seja o estabelecimento e a preservação do diálogo aberto e permanente da comunidade artística e daqueles que fazem o setor cultural com o Governo do Estado, seja através de uma Fundarpe fortalecida, do Conselho Estadual de Cultura redesenhado, da Interiorização e suas múltiplas parcerias e cooperação, seja de uma nova postura do governante em relação ao setor.

JC - Pernambuco hoje vive um grande momento no cinema por conta de incentivo estadual, em detrimento das outras linguagens. Existe algum projeto específico para fomentar as demais cadeias produtivas?

ARMANDO - Os projetos segmentados estão sendo definidos nas plenárias e encontros setoriais. Estamos priorizando nesta fase de consolidação das proposições do Plano de Governo as principais diretrizes e políticas que irão embasar o planejamento e a posterior definição de projetos específicos com definição de metas e orçamentos próprios. Mas, as contribuições e sugestões são muito bem vindas. 

JC - Por meio de emendas parlamentares, até o final de julho, R$ 19,5 milhões foram destinados para a realização de shows no interior do Estado. Segundo a estimativa das solicitações feitas pelos deputados, a previsão é que mais R$ 9 milhões sejam usados para este fim. O que o candidato acha dessas contratações?

ARMANDO - Entendemos que, em qualquer segmento ou programa, antes de destinar e liberar recursos é essencial estabelecer políticas e definir objetivos e metas a serem alcançadas. Estas devem atender a prioridades, dentro de uma visão global dos custos envolvidos e dos benefícios sociais e econômicos a serem gerados. É urgente redefinir atribuições e responsabilidades institucionais para a promoção de eventos deste tipo no estado e estabelecer critérios mais objetivos para os orçamentos e maior rigor na liberação de verbas neste sentido. É um tema que precisa ser revisado.

JC - Quais os planos em relação à Companhia Editora de Pernambuco (Cepe)? De que forma o seu governo pode incentivar lançamentos de publicações de autores pernambucanos e escoar a produção literária estadual, especialmente nas bibliotecas públicas estaduais, nos mais diversos formatos?

ARMANDO - É necessário fortalecer a CEPE, desenvolver ações para que absorva tecnologia e inovação e reorientar sua atuação, entre outros, para ampliar a produção literária no estado, com ênfase para os jovens escritores e novos talentos, promovendo critérios de regionalização.

Fonte: Jornal do Commercio

Conheça as propostas do candidato Zé Gomes para a cultura pernambucana

ENTREVISTA

Na reta final de campanha, o Jornal do Commercio entrevistou os candidatos ao Governo do Estado de Pernambuco

Karol Pacheco

JORNAL DO COMMERCIO - A Fundação do Patrimônio Artístico e Histórico de Pernambuco (Fundarpe) tem um papel-chave na gestão cultural do Estado. A começar pela manutenção dos patrimônios material e imaterial, mas que no decorrer destes 40 anos do órgão terminou ficando em segundo plano quando comparada às ações de execução de eventos. Qual a proposta de seu governo para a Fundarpe, tanto com relação à produção destes eventos quanto à política de patrimônio?

ZÉ GOMES - A riqueza do patrimônio cultural material e imaterial é um elemento muito particular de Pernambuco. Esse papel da Fundarpe precisa ser recuperado para que não haja prejuízos irreversíveis, inclusive ocorrendo um equilíbrio em relação a execução do orçamento nessa área.

JC - Nos últimos anos, com o Funcultura, a Fundarpe se voltou para a execução e para a viabilização de projetos culturais. No próprio Fundo, que atualmente dispõe de recursos na ordem dos R$ 32 milhões por ano, ainda há muita concentração deste aporte no Grande Recife. O que o candidato propõe para interiorização do fomento à produção cultural?

ZÉ GOMES - Iremos determinar uma porcentagem dos recursos para cada microrregião do Estado e criar mecanismos claros para a aprovação em editais dos projetos, garantindo transparência, controle e participação popular.

JC - Na última edição do Edital Independente do Funcultura, dos 1.516 projetos inscritos no programa, mais de 80% não foram habilitados. Este panorama aponta para uma demanda reprimida na produção cultural do Estado. Como sua gestão pretende viabilizar o escoamento desta produção?

ZÉ GOMES - A viabilização aos projetos não pode ser apenas com o atendimento financeiro em editais. O Estado precisa assumir o papel de apresentar equipamentos públicos que permitam a apresentação das iniciativas artísticas à população. Nisso cumpre um papel especial a comunicação pública e a TV Pernambuco como possibilidade de veiculação dos projetos atendidos ou não pelos editais.

JC - Alguns equipamentos público culturais do Estado carecem de um olhar mais cuidadoso dos seus gestores. Para citar alguns exemplos, temos a situação do Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco (MAC), em Olinda, que há meses não recebe uma programação nova ou sequer tem um programa de visitação mais ativo; o centenário Cine-Teatro Polytheama, em Goiana, também se agenda; e do Museu do Estado de Pernambuco (Mepe), sustentando-se e movimentando-se hoje graças à iniciativa privada. Qual é a preocupação do candidato com a reestruturação desses espaços culturais e, sobretudo, com a manutenção física e de conteúdo deles?

ZÉ GOMES - A estrutura está sucateada. Precisamos de um calendário que garanta programação rotativa em todos os equipamentos. Infelizmente temos concentração do orçamento para a área em eventos específicos. Precisamos estabelecer parcerias com quem produz cultura e tem necessidade de apresentar sua produção. Esta pode ser a saída para termos um calendário que ocupe todo o ano e permita o uso plenos dos equipamentos públicos.

JC - Desde 2012, espera-se a conclusão do 48º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. Por ser um programa de estímulo à produção de arte no Estado, a classe artística sente falta deste fomento. Como sua gestão pretende estabilizar este panorama?

ZÉ GOMES - É necessário mais uma vez diversificar o uso do orçamento, que se concentra em determinados tipos de eventos. Isso deixa áreas de lado e não democratiza o orçamento. Precisamos de maior participação dos produtores dos mais diversos setores no controle de execução do orçamento e na participação do planejamento das ações da cultura.

JC - Quais são os planos voltados para os povos tradicionais, células fundamentais na identidade cultural do Estado?

ZÉ GOMES - O correto é separar essa questão do debate de eventos e editais. Precisamos avançar na legislação e aplicação de politicas públicas de proteção à identidade dos povos tradicionais, pra quem a produção cultural significa a manutenção dessa identidade. Ainda existe um déficit no mapeamento e identificação desses povos e suas comunidades, que precisa ser a ação inicial para preservação de sua identidade.

JC - Qual a proposta para a inserção da sociedade civil no quesito gestão democrática da cultura?

ZÉ GOMES - Defendemos que em todas as áreas a participação popular e o controle social melhore a ação da gestão pública. O Conselho de Cultura não tem funcionado num formato que permita isso. Sua composição e atribuições carecem de legitimidade social. É algo que precisa ser resolvido de imediato.

JC - Um dos calos do setor cultural pernambucano é o Conselho Estadual de Cultura. Em maio deste ano, em audiência na Assembleia Legislativa, a sociedade civil e os parlamentares debateram a Proposta de Lei 1932/2014, que sugere um novo modelo do CEC. Foram discutidos os moldes de escolha dos membros do Conselho (indicação ou votação), a remuneração deles, a vitalidade nos cargos e a necessidade de divisão entre um conselho de patrimônio e um de política cultural. Qual a sua posição diante desta PL?

ZÉ GOMES - É necessário que o conselho tenha seus membros eleitos pelos setores. Não podemos avançar na questão da democratização e diversificação da execução do orçamento sem legitimidade no conselho A necessidade da divisão em dois conselhos é um fato objetivo, precisamos que a sociedade seja parte da solução de seus problemas e o formato atual do conselho é um empecilho a isto. O projeto de lei precisa ser aprovado imediatamente.

JC - Neste ano o Ministério da Educação determinou que as escolas devem exibir o mínimo de duas horas mensais de produção de cinema nacional, assim como a música, que também se tornou conteúdo obrigatório nas salas de aula. Unindo as secretarias de Educação e Cultura, como o seu governo pretende se adequar a esta demanda?

ZÉ GOMES - Nesse caso a primeira questão a ser resolvida é o sucateamento e falta de estrutura das unidades escolares. Não se pode aplicar isso em escolas que sequer tem professores ou refeitórios. Precisamos resolver os problemas estruturais da educação em Pernambuco para podermos atender essa determinação.

JC - A cultura tem um papel de fortalecimento da atividade econômica, a exemplo da Fenearte que movimenta mais de R$ 40 milhões com os negócios do artesanato. Como a sua gestão pretende esse elo entre as secretarias de Cultura e Economia?

ZÉ GOMES - Precisamos apostas na cultura como elemento de dinamização da economia e de desenvolvimento social. Esse é um diferencial na atração de turistas para Pernambuco. Temos que estadualizar esses eventos e diversificá-los, criando um calendário estadual de feiras e eventos que trabalhem como elementos da economia a produção cultural.

JC - Pernambuco foi um dos estados pioneiros no fortalecimento das ações de economia criativa, sobretudo nos setores de tecnologia. Porém, há quase quatro anos a Secretaria de Cultura tenta criar uma incubadora cultural, que vai dar assistência e assessoria técnica e jurídica a grupos e artistas de cultura de raiz. Mas este projeto ainda não se concretizou. Como o seu governo se posicionará com relação a isto?

ZÉ GOMES - Medidas simples e de pouco impacto financeiro podem viabilizar essa assessoria. Temos que dotar a Secretaria de Cultura de uma diretoria especifica com essa finalidade.

JC - A gestão atual deu autonomia à sociedade civil para a execução de projetos que visem fomentar a cultura no Estado. Como o seu governo pensa em trabalhar a formação de produtores culturais, sobretudo nas microrregiões, além do Recife e da Região Metropolitana?

ZÉ GOMES - Sem resposta.

JC - Um dos projetos políticos mais defendidos e incentivados pela última gestão do governo foi o Festival Pernambuco Nação Cultural, que se consolidou como a execução da política cultural pensada pelo Estado. Isto é, além de shows, o Festival ampliou a abrangência do antigo Circuito do Frio e fomentou oficinas de formação cultural e a inclusão de outras linguagens artísticas nestes eventos que acontecem da capital ao Sertão. A sua gestão pretende manter o Festival? Haverá mudanças?

ZÉ GOMES - Iremos garantir as festas já tradicionais de nosso estado (esse calendário já existe independente do festival), mas precisamos ampliar para outros municípios a possibilidade de conhecer a produção cultural do estado nas mais diversas áreas. O formato do projeto sera mantido, incorporando elementos de capacitação local de quem produz cultura e integrando a população nas definições das programações.

JC - Pernambuco foi o último Estado a aderir ao Sistema Nacional de Cultura (SNC), responsável por repasses para as instâncias culturais estaduais. Como a sua gestão se posicionará frente a esta antiga demanda da classe artística pernambucana?

ZÉ GOMES - Sem resposta

JC - Pernambuco hoje vive um grande momento no cinema por conta de incentivo estadual, em detrimento das outras linguagens. Existe algum projeto específico para fomentar as demais cadeias produtivas?

ZÉ GOMES - O edital do audiovisual é um modelo que deve servir de espelho pra os outros editais da área de cultura. O que precisamos definir são as contrapartidas dos beneficiados e para isso temos que fortalecer a TV Pernambuco como difusora do que é produzido através desse edital.

JC - Por meio de emendas parlamentares, até o final de julho, R$ 19,5 milhões foram destinados para a realização de shows no interior do Estado. Segundo a estimativa das solicitações feitas pelos deputados, a previsão é que mais R$ 9 milhões sejam usados para este fim. O que o candidato acha dessas contratações?

ZÉ GOMES - Um distorção, as emendas não deveriam ser usadas para os shows, principalmente com o direcionamento a determinado tipo de atrações. Precisamos ter seriedade. O Estado e o TCE acabam de suspender a execução dessas emendas. O casuísmo e uso politico foram exagerados e precisam ser combatidos para que não se repita.

JC - Quais os planos em relação à Companhia Editora de Pernambuco (Cepe)? De que forma o seu governo pode incentivar lançamentos de publicações de autores pernambucanos e escoar a produção literária estadual, especialmente nas bibliotecas públicas estaduais, nos mais diversos formatos?

ZÉ GOMES - Precisamos ampliar o número de bibliotecas estaduais e dar maior espaço aos autores locais. O papel da companhia tem de ser o de difundir a produção local e permitir que cada vez mais se publique em Pernambuco.

Fonte: Jornal do Commercio

A crise do ensino médio

Resultados do Ideb são preocupantes por mostrarem que país não foi capaz de aproveitar conjuntura favorável

Os pífios resultados do ensino médio no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), finalmente divulgado pelo MEC na sexta-feira passada, levantam uma questão pertinente: por que não conseguimos aproveitar ventos favoráveis de mudança que, ao menos em tese , contribuiriam para a melhoria da qualidade do ensino? Por causa da redução das taxas de fecundidade, a população de 15 a 17 anos, faixa etária considerada adequada para o ensino médio, ficou estabilizada ao redor de 10,5 milhões de habitantes nos últimos dez anos. Como reflexo disso, o número de alunos frequentando o ensino médio também se manteve. Em 2005, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, eram 8,6 milhões de jovens no antigo segundo grau. Em 2012, o total foi de 8,8 milhões. Não houve, portanto, pressão par a abrir mais vagas, e o número de matrículas teve pouca alteração.

Nos anos 90, quando os indicadores de aprendizado registraram piora no Brasil, atribuiu-se a queda no desempenho acadêmico ao ingresso de alunos mais pobres no sistema. Foi uma explicação bastante contestada na época por soar como desculpa pela má gestão, mas o raciocínio tinha alguma legitimidade, pois é fato cientificamente comprovado que o nível socioeconômico dos estudantes é o principal fator a influenciar seu desempenho. Desta vez, ao menos no ensino médio, o argumento não cola. Em 2005, quando a série do Ideb começou a ser calculada, a renda média nos domicílios por pessoa dos alunos frequentando o antigo segundo grau era de R$ 549 (já considerando a inflação do período). Em 2012, o valor observado foi R$ 635. O futuro do ensino médio é ainda mais preocupante se considerarmos que há uma parcela significativa dos jovens, justamente os mais pobres, fora da escola. Em 2005, 18% da população de 15 a 17 anos já não frequentava mais uma sala de aula. Em 2012, último dado disponível da Pnad, o percentual era quase o mesmo: 16%. Teriam faltado recursos?

Para um país que ainda gasta por estudante cerca de um terço da média dos países desenvolvidos, dizer que já estamos num patamar suficiente é exagero. Mas é preciso registrar que, de 2005 a 2011, último ano para o qual o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) fez este cálculo, o valor investido por aluno do ensino médio mais do que triplicou, passando de R$ 1.348 anuais para R$ 4.212. Em período parecido (de 2005 a 2012), a Pnad indicou um aumento real de 57% na média salarial do professor desse nível de ensino. Em educação, é sabido que é preciso tempo para colher resultados. Ninguém espera um salto de qualidade imediatamente após a injeção de mais recursos. No entanto, com ventos externos favoráveis ao ensino médio, seria justo cobrar, ao menos, que não estivéssemos estagnados, quadro verificado nesta divulgação do Ideb. Diante disso, fica claro que não adianta fazer mais do mesmo para enfrentar a crise do ensino médio. É preciso discutir seriamente soluções que mudem para valer a realidade do que acontece dentro da sala de aula, a começar pelo currículo e pela for maçã o dos professores.



Fonte: Antônio Gois

No "troca-troca" de Caruaru, uma briga em cada transação

Nesta cidade só fica doente quem quer. Isto, pelo menos, é o que está berrando a pleno pulmões, agitadíssimo em meio à multidão, o pernambucano João Torquato. Ele não é médico, nem candidato a coisa alguma. É camelô, vendedor de ervas medicinais, e jura que elas curam, "na hora", dor de barriga, alcoolismo, mau-olhado, aleijão, parto mal sucedido, doidice.

— Quero ficar ceguinho da gota serena se o problema do doutor aí não ficar resolvido.

E aponta para o primeiro que lhe convier, tenha ou não indícios dos males que ele se propõe a curar com sua erva.

O cenário de João Torquato é a vasta feira de Caruaru, e seus espectadores — muitos até acreditam que as ervas do homem fazem mesmo aqueles milagres todos — são os que vêm participar desse impressionante "troca-troca", ou gente atraída pelo que se fala dessa feira famosa, que tem de fato quase tudo — e, o que é novidade para muitos: alguns de seus barraqueiros não se preocupam apenas em vender, mas aceitam trocas, também, evidentemente levando vantagens. Matreiros e bons comerciantes são, igualmente gentis e muito ciosos da fama do lugar. Quando percebem, pelo sotaque e pelas roupas, que o comprador é visitante — turista, como chamam a todos que não são daqui — desdobram-se em atitudes de respeito e contam mil vantagens sobre a feira de Caruaru.

O "troca-troca"

De qualquer modo, esta feira, mesmo diante do risco de se pagar por uma peça de artesanato primário o dobro de seu preço real, chega a ser divertida e até um espetáculo alegre e agradável para se ver. Não tem, como a maioria das feiras, aquela legião de pedintes, nem sanfoneiros ceguinhos. Mas em cada esquina está o conjunto regional, de zabumba e tudo, atacando um "coco ferrado" ou deliciando o público com um xaxado no melhor ritmo nordestino. Nos conjuntos, cantores e tocadores apresentam-se vestidos à caráter, com roupas vistosas. E dá gosto ver a seriedade com que cada um executa seu papel. Principalmente a batida do zabumba é coisa tão gostosa que muita gente fica por ali disfarçando, marcando o ritmo no pé ou — como acontece a cada instante com um mais descontraído — cai mesmo no xaxado — que nordestino do bom não é de ferra para ver e ouvir aquilo sem dançar. E, a julgar pelas roupas, pela beleza dos instrumentos, o "pinga-pinga" dos que querem dar alguma coisa pelo espetáculo deve render bem.

Mas, além do coco e do xaxado, a feira de Caruaru tem outras mil coisas para se ver. Por exemplo, a barraca do velho Emidio. Há ali armas de todos os tipos, bacamartes do tempo do Onça, peças que o velho diz terem pertencido a Lampião.

Na feira faz-se as mais incríveis barganhas. Troca-se de tudo: faca-peixeira, arma de fogo velha ou nova, troca-se jegue (jumento) por passarinho, peças de ferro-velho por chapéu de couro. E como as leis que regem o troca-troca são as da matreirice, como o bom trocadeiro é aquele que sai ganhando, são frequentes os rolos e a brigalhada. De tal modo que quem quiser ver uma briga é só ir à feira na área do "troca-troca". Vai ver brigas das boas e, se não tomar cuidado, vai levar sobras também.

Mas, na verdade, nessas brigalhadas todas e nos resmungos de todas as esquinas, ninguém mata ninguém. É só correria, "arrumação", como eles próprios definem as confusões de cada instante no "troca-troca".

Os pássaros

O comércio de pássaros é mais uma atração dessa feira sensacional. Alguns dos preços: Patativa, 10-15 cruzeiros; azulão, 100 cruzeiros; avinhado, 15-20 cruzeiros; "passo" preto (graúna), sendo bom cantador — e o bom cantador tem sempre o olho furado, 60 cruzeiros; galo de campina, 200 cruzeiros. Foi por isso, por causa da cotação de seus "campinas" que o José Severino dos Anjos andou às turras com o Severino Tomás. Muito conhecido como malandrão, o Zé Severino achou que seus "campineiros" valiam muito mais do que o jegue do outro. Foi, por isso, chamado de ladrão com todas as letras, resultando daí a milionésima correria do dia na área do "troca-troca". E Severino Tomás, bufando de "reiva" (raiva no meio dos "deixa-disso"), insistia nos insultos.

— Dar um jegue "pai-d'égua" desses, como não há no Caruaru por meia dúzia de "campina", só mesmo aquele safado da "mulesta" pensa nisso.

E a derradeira ameaça, sem consequências como todas as demais, no melhor estilo cantante do nordestino:

— Mas esse condenado me paga.

Fonte: Internet

Casas encantadas - Contos e causos


Casas encantadas

Luís da Câmara Cascudo

O velho João Tibau, que muito bem conheci na praia de Areia Preta, Natal, homem baixo e robusto, de força gigantesca, lenhador, pescador quando nada tinha a fazer, bebedor emérito, contou-me esta história:

Acordou pensando ser madrugada e saiu para fazer lenha e como andasse depressa chegou ao mato verificando ser noite alta, tudo escuro de meter o dedo no olho. Nem mesmo enxergava os paus. Foi indo, bangolando, fazendo tempo, quando ouviu uma música muito bonita e foi indo na direção do som. Era, com certeza, algum baile nas redondezas. Andou e andou e foi parar perto da praia do Flamengo, além de Ponta Negra, avistando, da ribanceira que descortina o mar, um clarão. Desceu a barreira e empurrou-se para lá. Encontrou um grupo de cavaleiros, com grandes capas compridas, muito bem vestidos, nuns cavalos de raça, lustrosos e gordos, mas João Tibau não identificou ninguém. Quis acompanhar o grupo e acabou correndo quanto podia mas tinha a impressão de apenas andar, pois não vencia o terreno. O grupo desapareceu adiante como se fosse fumaça. A praia estava clara pelas estrelas e o mar muito calmo. Tibau chegou perto da última curva e viu um palácio que era uma Babilônia, várias carreiras de janelas, todas iluminadas com uma luz azul que doía na vista. Chegando mais para perto ouviu as rabecas e as sanfonas, o vozerio do povo se divertindo, e mesmo a bulha compassada dos dançarinos. Apressou mais o passo e ficou diante do palácio deslumbrante, todo cheio de luzes e músicas, de vozes e de cantigas mas não via vivalma.

Aí, arrepiou-se todo, pensando que fosse coisa encantada e benzeu-se. Deu-lhe um passamento pelo corpo, escureceu-lhe a vista e deu cobro de si pela madrugada, já o céu todo claro, as barras do sol do mar. Viu então que estava diante das Barreiras Roxas.

As Barreiras Roxas são um revestimento de rocha que a erosão deu forma caprichosa e variada de monumento, com salas, antecâmaras e um labirinto de recantos e furnas que o Atlântico escava e bate, mugindo como bicho feroz no preamar. Fica à pique da praia, recobrindo a barreira e dando de longe, a visão confusa de imensas ruínas medievais.

Paulo Martins da Silva, funcionário do Banco do Brasil, narrou-me em 4 de abril de 1938 este episódio, subsídio para as casas encantadas:

Entre Pititinga e Rio do Fogo, na barreira do Zumbi, existe um palácio encantado. Há anos passados um pescador chegando no Tourinho, barreiras que estão entre Touros e o Rio do Fogo, encontrou outro palácio, iluminado, e ali um homem lhe entregou uma carta para a barreira do Zumbi, a duas léguas e meia de distância. O pescador foi entregar a carta e encontrou o palácio em festa, com muita gente, música, rumores de dança. Deu a carta. Deram-lhe de comer e beber. Pela manhã encontrou-se na praia nua. Tudo tinha desaparecido.

No Morro Branco, perto do Natal, na encosta leste, os lenhadores e caçadores viam, outrora, uma casa branca, brilhante de luzes e sonora de vozes festivas, orquestra tocando, gente bebendo e cantando. Quem tinha coragem de se aproximar via a casa sumir no ar e ficar apenas o mato bruto, cheio de sombras, com o murmúrio do vento na folhagem.

No rio Potengi, entre Natal e Guararapes, há um camboa que, nas enchentes, forma uma ilha, coberta de mangues. Esta ilha é assombrada ou mal-assombrada. Aparece uma grande residência, habitada, com vozes humanas que cantam, gritos de alegria, som de vidros entrechocados, rumores dentro e ao redor da morada. Pela madrugada desaparece e fica o mangue verde como habitante único na ilhota misteriosa.

O coronel Quincó (Joaquim Anselmo Pinheiro Filho, 1869-1950) que tantos anos comandou a Polícia Militar do Rio Grande do Norte, comunicou-me este acontecido em dias de sua mocidade na cidade do Natal nos primeiros anos da República:

Vinha da Ribeira para a Cidade-Alta pela Subida-da-Ladeira quando ouviu para o lado da rua São Tomé, paralela, uma valsa linda. Distinguia o fraseado solista das clarinetas e o contracanto dos bombardinos. Apressou-se e, no começo da São Tomé, com raros e espaçados moradores, havia um grupo de árvores maciças. A música cessara e Joaquim Anselmo encontrou apenas uma mulher alta, magra, com um xale. Onde é a festa? perguntou. A mulher indicou o bosque com um estender de lábio, sem palavra. Quincó deu alguns passos e nada vendo, voltou-se. A mulher desaparecera. Músicas, luzes, vozes, dissiparam-se para sempre.

Estas histórias são incontáveis por todo Brasil. Há pelas províncias, cidades e vilas, povoados e aldeias menores. Toda gente aponta os lugares onde há uma casa misteriosa que aparece e desaparece em determinadas ocasiões. Há mesmo testemunhas, como o velho João Tibau e o coronel Joaquim Anselmo. Em que ponto da Europa estas histórias não existem? vivem em todos os países e regiões, raças e estados de cultura.

O dominicano Etienne de Bourdon, que vivia no tempo do rei Luis IX de França (1215-1270), reuniu muitas histórias da tradição oral francesa do século XIII e outras de fontes impressas, denominando sua coleção Tractatus de diversis materiis predicabilibus. M. Lecoy de la Marche publicou em 1877 um volume contendo os "exemplos" de Etienne de Bourbon, Anecdote historiques, légendes et apologues tirés du recueil inédit D´Etienne de Bourbon. Um destes exemplos, o sob o número 565, fixa muitos elementos das versões brasileiras do Rio Grande do Norte.

Na França estão eles ligados ao ciclo da caça fantástica. Este mito também existe por todo o Brasil mas reduzido aos rumores de uma matilha de cães e caçadores que passam sem vestígios.

Etienne de Bourbon conta que um lenhador de Mont-du-Chat (Mons Cati) ia uma tarde levando sua carga de lenha, ao luar, quando viu um grupo de caçadores a pé e a cavalo, cercados de cães esplêndidos. Perguntando a identidade dos fidalgos, responderam ser cavaleiros do rei Artur e que voltavam para o seu palácio, convidando-o a acompanhar a comitiva. O lenhador seguiu-os e encontrou-se num castelo suntuoso, com damas e cavaleiros ricamente vestidos, comendo e bebendo. O lenhador comeu, bebeu, levaram-no para um leito de príncipe, onde se encontrava uma dama linda. O lenhador deitou-se e adormeceu. Acordou na floresta, em cima do seu feixe de lenha...



domingo, 7 de setembro de 2014

Carro de boi



Laura Della Monica

Desde que o homem começou a prender-se à terra, e a pedir-lhe alguma coisa mais do que ela espontaneamente lhe dava, surge o carro de bois, disse Luís Chave, escritor português. Com a invenção da roda, a humanidade deu um passo à frente, promovendo o desenvolvimento da comunidade no sentido de progresso. A domesticação dos animais ajudou muito para que o transporte fosse melhor aplicado. Assim, o boi sagrado, foi para o sacrifício: serviria de meio de transporte ou seria comido.

O velho mundo se utilizou do transporte tendo o boi preso às suas ordens; prestava serviços na paz e na guerra, levava e trazia produtos e bugigangas e muita gente; enfim auxiliou o mundo civilizado. As gravuras ilustram a existência de carro de boi na China durante as Dinastias de Han (202 AC), na Mesopotâmia, no tempo do rei Tiglatpilasar, III (730 AC). A Bíblia se refere ao uso do carro tirado por bois ao tempo do Êxodo. A Fenícia, Ceilão, Grécia, Roma se movimentaram com o transporte bovino.

No Dicionário das antiguidades gregas e romanas, de Daremberg e Saglio, encontramos referência ao carro de boi na guerra troiana. O boi ocupava um lugar importante entre os gregos, tanto assim que em legislações como a de Pitágoras proibiam-se enviar para o matadouro os bois de trabalho, pois eles deveriam merecer um descanso mais sereno.

O carro rural tinha o nome de Amaxa, que a princípio era quase sagrado. Levava presentes a Aquiles para aplacar-se a cólera. Mais tarde foi perdendo aquela especialidade e passou a transportar madeira, pedra, colheitas, viveres e soldados. Roma utilizou demais os carros de bois e lhe dava tamanhos e modelos variadíssimos e uso diferenciado.

Assim para exemplificar citamos: carrus - pequeno carro de origem céltica ou etrusca, e o plaustrum - empregado para o campo, e usado, mais tarde, nas lavouras italianas. Era carro de duas rodas maciças que permaneceu na Península Ibérica durante longo tempo. Gemedor e chamado popularmente carro boeiro. Foi ele que veio para o nosso país, fincou as rodas nas terras brasileiras. Modesto, vagaroso, muito rústico, foi gemendo, procurando transmitir o que sentiu na caminhada por esse mundo de Deus. A princípio transportou pau-brasil; ajudou na construção de vilas e cidades, bem como as fortalezas e as casas dos senhores de engenho.

No Nordeste açucareiro foi indispensável no transporte da cana, lenha, açúcar e gente. Maximilian, Saint-Hilaire, e Lúcia de Castro Soares, P. O'Meara e muitos outros contaram a importância do "único meio de transporte" — "os viveres que consomem em São João (Del Rei), vêm das fazendas vizinhas em carros de bois, que transitam pelas ruas até que a carga esteja vendida. Falando dos produtos de Araxá e Paracatu, Saint-Hilaire comenta: 'Até Barbacena faz-se comumente viajar este último produto — o algodão — em carros de bois, que levam oitenta arrobas... passando aí para o lombo de muares'".

O carro de bois que transportava uma variedade de mercadorias foi, para isso, muito bem preparado, construído com uma técnica especial. Cada peça possui um nome que pode variar de nomenclatura de acordo com as regiões brasileiras. Duas são as peças principais:

1. O estrado, a mesa, de forma retangular ou não, tendo à frente — parte dianteira — um varal com o nome de cabeçalho. Na borda da mesa, que também tem o nome de leito ou tabuleiro, são fincadas as varas roliças — os fueiros — paus de encosto.

2. Roda-eixo — as rodas em número de duas, maciças, feitas em quatro partes, giram sobre uma peça de madeira chamada cocão. A cantadeira, responsável pelo gemido do carro, fica entre o cocão e o eixo.

As rodas se apresentaram, mais tarde, radiadas, e veremos mais adiante. O carro é dirigido pelo carreiro e pelo candieiro que o auxília. É o lamparina rapazola, geralmente filho de carreiro que está "iniciando na profissão".

Um carro de boi deve ter boa junta. O boi sempre foi selecionado e Portugal já o fazia desde 1805. É preciso que tenha certas características físicas. Deve ser ensinado e o sertanejo, experimentado, sabe fazê-lo. Exige perícia, jeito especial, carinho, linguagem e dar ao boi um nome. De acordo com a cor de pêlo, armação dos chifres, sinais no corpo, conformação física. Barro é o boi de pêlo cor de barro com várias tonalidades. Carvão é o boi de pêlo negro. Batedor é aquele que, apesar de manso no trabalho, ainda avança contra as pessoas. Moroso é o lerdo, pesadão. Há bois que possuem nomes históricos, nomes de fauna ou flora, situação geográfica, reino mineral e outros, como Sanhaço, Brilhante, Rubi, Boitatá, Cravo-Branco, Meia-Lua, Flor de Maio, Valentão, Sereno, Independência, Tuiuti, Riachuelo, etc.

O boi, depois de preparado, ocupa o lugar certo na junta. Assim há bois que só podem ficar em determinadas posições como o boi-de-coice, boi-de-guia, boi-de-meio. O boi preparado para o transporte tem o nome de: boi carreteiro, boi carreiro porque é bom para essa tarefa.

Um carro, às vezes possui de duas a dez juntas de bois, dependendo sempre do que vai transportar. Vários animais que puxam o carro podem ter diversos nomes. Falamos em junta que pode ter nome de parelha, como em São Paulo e Norte do País; fieira, como no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás; tira ou tirada, falada em Pernambuco e Paraíba e terno, muito usado em São Paulo.

É realmente muito complexo o estudo do carro de boi: seu equipamento, tipos de peças, atrelamento, suas serventias tão técnicas que exigiriam estudos muitos mais profundos.

domingo, 17 de agosto de 2014

Apaga-se a estrela da geração pós-64

GAUDÊNCIO TORQUATO

O imprevisível ronda o planeta da política. Quando menos se espera, chega devastador, trazendo consigo o poder de gerar perplexidade, assustar, causar comoção. Poder que se expande às alturas quando o ator é um candidato ao posto mais alto da Nação, esbanjando jovialidade, vitalidade, dinamismo, confiança, e desaparece de cena vitimado por uma tragédia aérea. A morte de Eduardo Campos, no fatídico 13 de agosto a mesma data em que faleceu seu avô Miguel Arraes, em 2005 –, é um forte golpe na fisionomia política brasileira, eis que o perfil do ex-governador, estruturado sobre uma sólida, coerente e vitoriosa carreira pública, reunia potencial para puxar o cordão de mudanças no processo político nos próximos anos. Um quadro da geração pós-64 (nasceu em 1965), alimentava um sonho, confessado a este escriba há cerca de dois anos, em Comandatuba, na Bahia, por ocasião de um evento reunindo empresários e políticos.

Dizia: "Meu sonho é reunir a geração pós-64 (chegou a citar alguns nomes de grupos e partidos diferentes) , fazermos uma grande aliança e tomar as rédeas do País, deixando os nossos mais velhos, que já deram sua cota de sacrifício, descansando com sua aposentadoria". O tom da conversa, incisivo, não deixava dúvidas. Campos achava viável agrupar os representantes de sua geração,compor um formidável programa de mudanças, realizar um pacto com o sistema produtivo e incentivar o ingresso dos jovens na política. A mudança dos costumes políticos tinha de vir de baixo, pela via da formação da juventude,e não por decreto. Ele mesmo, em Pernambuco, diferentemente da escola de seu avô, implantara uma metodologia de gestão voltada para resultados e promovendo, segundo ele, "revolucionária" política educacional. Parecia comprometido com um diferenciado modus faciendi na administração pública. O fato de ter procurado Marina Silva para compor sua chapa, na condição de candidata a vice-presidente da República, revela a inclinação por perfis inovadores, mesmo sabendo que o escopo da sustentabilidade, defendido com vigor pela ex-senadora, constitui um cardápio pouco palatável ao gosto das massas. A parceria construída expressava avanço e coerência. Ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, essa semente haveria de frutificar, na onda da conscientização sobre o planeta sustentável.

Dito isto,vem a interrogação: e agora, o que acontecerá com a moldura eleitoral, saindo o terceiro grande competidor do pleito presidencial? A primeira resposta parte da ideia de que a comoção com o seu repentino desaparecimento, a começar por Pernambuco, deverá estender-se até as urnas. Veremos, pois, um forte voto emotivo, ao lado da escolha racional, essa que encontra guarida na cabeça crítica do eleitor disposto a não mais se deixar levar pelo "lero-lero" eleitoreiro. Em segundo lugar, a confiança de Eduardo Campos em Marina Silva, opção que fez questão de bancar contra forte resistência de alas do PSB, a credencia para ser sua substituta. O partido teria de indicá-la candidata da legenda e ela, sob o empuxo das correntes como vidas que banharão o território nacional, ganhará ampla visibilidade, suprindo o estreito espaço na mídia eleitoral (menos de dois minutos).

A natural locução nas ruas e os debates midiáticos formarão ondas de redundância, alçando-a ao primeiro plano da imagem. Sob o manto estético da evangélica Marina estará visível a imagem exuberante de Eduardo, formando um sistema de signos na cabeça do eleitor. É razoável supor que o voto será carreado por dois fenômenos da psicologia, a identificação e a projeção, com os quais os olimpianos e ídolos atraem a atenção das massas.

Será essa carga simbólica suficiente para alterar profundamente o quadro eleitoral? Vai depender do humor social mais adiante. E isso tem que ver com a economia. Algumas hipóteses se apresentam. Se Marina assumir a posição do titular, a maior parcela de votos de Eduardo migrará para ela. Pode, até, vir a encostar em Aécio Neves, reforçando a tese do segundo turno. E se ela não for indicada pelo PSB ou não aceitar?

Nesse caso, o PSB perderia a condição de terceira via, pelo fato de rejeitar o único nome capaz de galvanizar apoios. Marina, por sua vez, se recolheria ao silêncio. Parcelas do eleitorado iriam para o tucano Aécio e para a presidente Dilma Rousseff (PT). Já se Marina substituir Eduardo, a urna governista terá menos votos. Veríamos, ainda, remodelagem dos discursos e da agenda de candidatos. Sob o véu da perplexidade que cobrirá as próximas etapas da campanha, os candidatos se obrigariam a ser mais contritos, menos extravagantes, mais com prometidos com ideias, menos propensos às firulas.

O fato é que a morte de Eduardo Campos mexe com o ânimo de múltiplas plateias, inclusive a que não o admirava. Identificou-se com as marcas da boa gestão na administração pública.

Resta, ao final, a impressão de que o País perde uma das alavancas de sua modernização institucional. Não por seus feitos em Pernambuco,restritos a quem acompanhou a administração, mas pelos potenciais que reunia e tencionava usar. Seria forte candidato em 2018, caso não fosse vitorioso este ano. Era a estrela de seu partido. Não há perfis à sua altura ou nomes capazes de pegar o bastão que ele empunhava. Não deu tempo de formar quadros, uma de suas metas. Se o Leitmotiv da política é despertar a esperança que dorme na cabeça dos cidadãos, a morte trágica do ex-governador de Pernambuco bate no coração das pessoas como um desalento. Esgarça-se mais uma bandeira da esperança, expande-se a descrença. E, assim, a campanha mais contundente de nossa contemporaneidade perde um dos seus três maiores guerreiros.

O fato é que, se quiser preservar parte do seu legado, o PSB terá de pedir a Marina que segure a onda e torne viável a terceira via. Qualquer outro caminho será mais estreito.

JORNALISTA, PROFESSOR TITULAR DA USP, É CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO TWITTER: @GAUDTORQUATO

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Os trovões de antigamente



Estou no antigo quarto de meus pais; as duas janelas dão para o terreno onde fica o imenso pé de fruta-pão, à cuja sombra cresci. O desenho de suas folhas recorta-se contra o céu; essa imagem das folhas do fruta-pão recortada contra o céu é das mais antigas de minha infância, do tempo em que eu ainda dormia em uma pequena cama cercada de palhinha junto à janela da esquerda.

A tarde está quente. Deito-me um pouco para ler, mas deixo o livro, fico a olhar pela janela. Lá fora, uma galinha cacareja, como antigamente. E essa trovoada de verão é tão Cachoeiro, é tão minha casa em Cachoeiro! Não, não é verdade que em toda parte do mundo os trovões seja iguais. Aqui os morros lhe dão um eco especial, que prolonga seu rumor. A altura e a posição das nuvens, do vento e dos morros que ladeiam as curvas do rio criam essa ressonância em que me reconheço menino, ajustado e fascinado pela visão dos relâmpagos, esperando a chegada dos trovões e depois a chuva batendo grossa lá fora, na terra quente, invadindo a casa com o seu cheiro. Diziam que São Pedro estava arrastando móveis, lavando a casa; e eu via o padroeiro de nossa terra, com suas barbas empurrando móveis imensos, mas iguais aos de nossa casa, no assoalho do céu – certamente também feito assim, de tábuas largas. Parece que eu não acreditava na história, sabia que era apenas uma maneira de dizer, uma brincadeira, mas a imagem de São Pedro de camisolão empurrando um grande armário preto me ficou na memória.

Nossa casa era bem bonita, com varanda, caramanchão e o jardim grande ladeando a rua. Lembro-me confusamente de alguns canteiros, algumas flores e folhagens desse jardim que não existe mais; especialmente de uma grande touceira de espadas de São Jorge que a gente chamava apenas de “talas”; e, lá no fundo, o precioso pé de saboneteira que nos fornecia bolas pretas para o jogo de gude. Era uma grande riqueza, uma árvore tão sagrada como o fruta-pão e o cajueiro do alto do morro, árvores de nossa família, mas conhecidas por muita gente na cidade; nós também não conhecíamos os pés de carambola dos Martins ou as mangueiras do Dr. Mesquita?

Sim, nossa casa era muito bonita, verde, com uma tamareira junto à varanda, mas eu invejava os que moravam do outro lado da rua, onde as casas dão fundos para o rio. Como a casa dos Martins, como a casa dos Leão, que depois foi dos Medeiros, depois de nossa tia, casa com varanda fresquinha dando para o rio.

Quando começavam as chuvas a gente ia toda manhã lá no quintal deles ver até onde chegara a enchente. As águas barrentas subiam primeiro até a altura da cerca dos fundos, depois às bananeiras, vinham subindo o quintal, entravam pelo porão. Mais de uma vez, no meio da noite, o volume do rio cresceu tanto que a família defronte teve medo.

Então vinham todos dormir em nossa casa. Isso para nós era uma festa, aquela faina de arrumar camas nas salas, aquela intimidade improvisada e alegre. Parecia que as pessoas ficavam todas contentes, riam muito; como se fazia café e se tomava café tarde da noite! E às vezes o rio atravessava a rua, entrava pelo nosso porão, e me lembro que nós, os meninos, orcianos para ele subir mais e mais. Sim, éramos a favor enchente, ficávamos tristes de manhãzinha quando, mal saltando da cama, íamos correndo para ver que o rio baixara um palmo – aquilo era uma traição, uma fraqueza do Itapemirim. Às Vezes chegava alguém a cavalo, dizia que lá, para cima do Castelo, tinha caído chuva muita, anunciava águas nas cabeceiras, então dormíamos sonhando que a enchente ia outra vez crescer, queríamos sempre que aquela fosse a maior de todas as enchentes.

E naquelas tarde as trovoadas tinham esse mesmo ronco prolongado entre morros, diante das duas janelas do quarto de meus pais; eles trovejavam sobre nosso telhado e nosso pé de fruta-pão, os grandes, grossos trovões familiares de antigamente, os bons trovões do velho São Pedro.

Rubem Braga