sexta-feira, 22 de agosto de 2014

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domingo, 17 de agosto de 2014

Apaga-se a estrela da geração pós-64

GAUDÊNCIO TORQUATO

O imprevisível ronda o planeta da política. Quando menos se espera, chega devastador, trazendo consigo o poder de gerar perplexidade, assustar, causar comoção. Poder que se expande às alturas quando o ator é um candidato ao posto mais alto da Nação, esbanjando jovialidade, vitalidade, dinamismo, confiança, e desaparece de cena vitimado por uma tragédia aérea. A morte de Eduardo Campos, no fatídico 13 de agosto a mesma data em que faleceu seu avô Miguel Arraes, em 2005 –, é um forte golpe na fisionomia política brasileira, eis que o perfil do ex-governador, estruturado sobre uma sólida, coerente e vitoriosa carreira pública, reunia potencial para puxar o cordão de mudanças no processo político nos próximos anos. Um quadro da geração pós-64 (nasceu em 1965), alimentava um sonho, confessado a este escriba há cerca de dois anos, em Comandatuba, na Bahia, por ocasião de um evento reunindo empresários e políticos.

Dizia: "Meu sonho é reunir a geração pós-64 (chegou a citar alguns nomes de grupos e partidos diferentes) , fazermos uma grande aliança e tomar as rédeas do País, deixando os nossos mais velhos, que já deram sua cota de sacrifício, descansando com sua aposentadoria". O tom da conversa, incisivo, não deixava dúvidas. Campos achava viável agrupar os representantes de sua geração,compor um formidável programa de mudanças, realizar um pacto com o sistema produtivo e incentivar o ingresso dos jovens na política. A mudança dos costumes políticos tinha de vir de baixo, pela via da formação da juventude,e não por decreto. Ele mesmo, em Pernambuco, diferentemente da escola de seu avô, implantara uma metodologia de gestão voltada para resultados e promovendo, segundo ele, "revolucionária" política educacional. Parecia comprometido com um diferenciado modus faciendi na administração pública. O fato de ter procurado Marina Silva para compor sua chapa, na condição de candidata a vice-presidente da República, revela a inclinação por perfis inovadores, mesmo sabendo que o escopo da sustentabilidade, defendido com vigor pela ex-senadora, constitui um cardápio pouco palatável ao gosto das massas. A parceria construída expressava avanço e coerência. Ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, essa semente haveria de frutificar, na onda da conscientização sobre o planeta sustentável.

Dito isto,vem a interrogação: e agora, o que acontecerá com a moldura eleitoral, saindo o terceiro grande competidor do pleito presidencial? A primeira resposta parte da ideia de que a comoção com o seu repentino desaparecimento, a começar por Pernambuco, deverá estender-se até as urnas. Veremos, pois, um forte voto emotivo, ao lado da escolha racional, essa que encontra guarida na cabeça crítica do eleitor disposto a não mais se deixar levar pelo "lero-lero" eleitoreiro. Em segundo lugar, a confiança de Eduardo Campos em Marina Silva, opção que fez questão de bancar contra forte resistência de alas do PSB, a credencia para ser sua substituta. O partido teria de indicá-la candidata da legenda e ela, sob o empuxo das correntes como vidas que banharão o território nacional, ganhará ampla visibilidade, suprindo o estreito espaço na mídia eleitoral (menos de dois minutos).

A natural locução nas ruas e os debates midiáticos formarão ondas de redundância, alçando-a ao primeiro plano da imagem. Sob o manto estético da evangélica Marina estará visível a imagem exuberante de Eduardo, formando um sistema de signos na cabeça do eleitor. É razoável supor que o voto será carreado por dois fenômenos da psicologia, a identificação e a projeção, com os quais os olimpianos e ídolos atraem a atenção das massas.

Será essa carga simbólica suficiente para alterar profundamente o quadro eleitoral? Vai depender do humor social mais adiante. E isso tem que ver com a economia. Algumas hipóteses se apresentam. Se Marina assumir a posição do titular, a maior parcela de votos de Eduardo migrará para ela. Pode, até, vir a encostar em Aécio Neves, reforçando a tese do segundo turno. E se ela não for indicada pelo PSB ou não aceitar?

Nesse caso, o PSB perderia a condição de terceira via, pelo fato de rejeitar o único nome capaz de galvanizar apoios. Marina, por sua vez, se recolheria ao silêncio. Parcelas do eleitorado iriam para o tucano Aécio e para a presidente Dilma Rousseff (PT). Já se Marina substituir Eduardo, a urna governista terá menos votos. Veríamos, ainda, remodelagem dos discursos e da agenda de candidatos. Sob o véu da perplexidade que cobrirá as próximas etapas da campanha, os candidatos se obrigariam a ser mais contritos, menos extravagantes, mais com prometidos com ideias, menos propensos às firulas.

O fato é que a morte de Eduardo Campos mexe com o ânimo de múltiplas plateias, inclusive a que não o admirava. Identificou-se com as marcas da boa gestão na administração pública.

Resta, ao final, a impressão de que o País perde uma das alavancas de sua modernização institucional. Não por seus feitos em Pernambuco,restritos a quem acompanhou a administração, mas pelos potenciais que reunia e tencionava usar. Seria forte candidato em 2018, caso não fosse vitorioso este ano. Era a estrela de seu partido. Não há perfis à sua altura ou nomes capazes de pegar o bastão que ele empunhava. Não deu tempo de formar quadros, uma de suas metas. Se o Leitmotiv da política é despertar a esperança que dorme na cabeça dos cidadãos, a morte trágica do ex-governador de Pernambuco bate no coração das pessoas como um desalento. Esgarça-se mais uma bandeira da esperança, expande-se a descrença. E, assim, a campanha mais contundente de nossa contemporaneidade perde um dos seus três maiores guerreiros.

O fato é que, se quiser preservar parte do seu legado, o PSB terá de pedir a Marina que segure a onda e torne viável a terceira via. Qualquer outro caminho será mais estreito.

JORNALISTA, PROFESSOR TITULAR DA USP, É CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO TWITTER: @GAUDTORQUATO