terça-feira, 30 de abril de 2013

Com a seca, criadores de PE já perderam 960 mil cabeças de gado


Dados são de pesquisa realizada pela USP a pedido do Governo do Estado. Dois anos sem chuva transformaram fazendas em cemitérios de animais.


A maior seca das últimas décadas no estado segue castigando os proprietários de gado de todo o Nordeste. Os pecuaristas precisam, com cada vez mais urgência, de alternativas de convivência com o semiárido para evitar a morte dos bichos, prejuízos na economia e maiores impactos ao meio ambiente. Os repórteres Mônica Silveira e Augusto César percorreram 3 mil quilômetros em 15 cidades do estado e apresentam, a partir desta segunda-feira (22), uma série de reportagens da Globo Nordeste sobre o tema.

“Se o governo não tomar uma providência vai se acabar o gado do nordeste. Todo, todo, todo, só vai ficar a lembrança”, lamenta o produtor de leite Eraldo Cordeiro. Na realidade, alguns pecuaristas já vivem com a lembrança na cabeça; de acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) a pedido do Governo do Estado, Pernambuco já perdeu 250 mil cabeças de gado. Se o cálculo for feito levando em consideração a morte, saída, venda e abate precoce, o número sobe para 960 mil animais.

A estiagem acaba com a produção agropecuária e transforma propriedades em cemitérios de animais. Natanael Vilela já perdeu as contas de quantos animais morreram na propriedade dele. “Sinceramente não sei. É humanamente impossível controlar hoje o prejuízo na situação em que está porque são dois anos sem chuva, sem trovoada, sem inverno. Só temos desgaste, prejuízo, mas enquanto eu puder, ficarei de pé”, afirma veementemente o criador. “É impossível se acostumar”.

Para compensar a falta dos alimentos tradicionais como farelo, palma e milho, o Governo do Estado tem enviado cana-de-açúcar para o Sertão e o Agreste em pontos estratégicos. Itaíba, por exemplo, é um dos locais de distribuição escolhidos. “Estou me sentindo muito feliz porque chegou esse material. Nós estávamos servindo o gado com mandacaru, que também está em falta. Agora é só o governo que manda essas caninhas para alimentar os bichos”, diz o agricultor João Lima.
Estado reconhece que não tem logística para alcançar todos os que precisam de ajuda (Foto: Reprodução/TV Globo)

No entanto, nem todo mundo consegue levar tudo o que precisa para sustentar seu rebanho. “Cheguei aqui bem cedo e eles ficaram dividindo, pedindo para eu esperar. Fui embora para casa e quando vim de novo, não tinha mais”, reclama dona Josefa Lins. “Estou levando as sobrinhas para as minhas vacas. Vendi terras para alimentar as vacas, então não posso mais fazer cadastro para pegar ração porque dizem que não tenho terra. Para o gado não morrer de fome, pego as sobrinhas”, diz o agricultor e criador José Machado. Com a carroça, ele leva tudo o que sobrou e pode carregar até sua fazenda.

Ajuda insuficiente
De acordo com a Secretaria de Agricultura de Pernambuco, o alimento não chega para todo mundo porque a logística para alcançar todos os pecuaristas é muito complicada. “Temos 110 mil criadores no nosso estado, especialmente no Agreste, onde está localizada nossa bacia leiteira. Não temos logística para alcançar todos eles no campo; estamos num esforço enorme para alcançar 50%”, afirma o secretário Ranilson Ramos.

Ele explica, ainda, que a atual alternativa de alimento para o gado, a cana-de-açúcar, está prestes e acabar. Pernambuco vai contar com mais 20 dias de transporte de cana para o interior do estado, mas um plano B já está em execução. “O governador Eduardo Campos liberou R$ 4,5 milhões para que a gente possa produzir milho forrageiro e distribuir para os criadores”, explica o secretário.

O forrageiro é uma variedade de milho precoce que fica pronta para colheita em cerca de 45 dias e produz palha em vez de grãos. A secretaria está fazendo um levantamento das áreas mais indicadas para irrigação e plantação de mil hectares (30 mil toneladas) de milho forrageiro e também a construção de 990 poços artesianos no Agreste.

Fonte: Do G1 PE

Hora de mudar o ECA

Em novembro de 2003 um casal de namorados foi sequestrado por um bando quando acampava num sítio na Grande São Paulo. Felipe, de 19 anos, foi morto com um tiro na nuca no dia seguinte. Liana, de 16, foi estuprada, torturada e assassinada no quinto dia, com 15 facadas.

Um dos bandidos, o Champinha, de 16 anos, foi internado na Fundação Casa, onde poderia passar, no máximo, três anos, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mas a Justiça, diante de laudos psiquiátricos, não permitiu que ele fosse posto em liberdade quando esse período se encerrou. Em 2007 Champinha conseguiu fugir, mas foi recapturado. Um juiz impediu, porém, que ele fosse transferido para a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, pois conviveria com detidos adultos, embora, àquela altura, ele já tivesse 20 anos, dois acima do limite da maioridade penal. Mas era impossível interná-lo num dos hospitais públicos, que não dispõem da contenção física necessária para pacientes psiquiátricos perigosos. Preparamos, então - eu era governador uma unidade especial de saúde para poder recebê-lo. Hoje, há seis internados nesse local.

Um procurador federal, pasmem, acaba de entrar com ação pedindo o fechamento dessa unidade e a entrega dos internos a hospitais. Imaginem como seria a internação de Champinha e dos outros na ala psiquiátrica de um hospital comum. Na verdade, se prevalecer, a ação do procurador implicará soltar esses internados perigosos, que só teriam de receber acompanhamento ambulatorial.

O episódio ilustra, de modo emblemático, a necessidade de alterar a legislação vigente para dirimir dúvidas e fixar critérios que combinem, com mais clareza, os direitos humanos dos infratores e a segurança da população, que, ainda que alguns se surpreendam, também é um direito humano - e de pessoas que não infringiram lei alguma. A interdição dessas mudanças e até do debate é liderada pelo governo federal e pelas bancadas do PT na Congresso, por oportunismo político e ideológico.

Há outros temas que envolvem o assunto, como a maioridade penal. O artigo 228 da Constituição estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, que devem sujeitar-se a legislação especial. Mas a eventual mudança desse artigo é improvável, dadas a politização do assunto, a dificuldade de alterar a Constituição e também do debate sobre se esse ponto é ou não cláusula pétrea, que, portanto, não pode ser objeto de emenda. Há, porém, um caminho mais curto, eficaz e viável para punir os crimes violentos praticados por jovens que têm plena consciência dos seus atos. É a mudança do § 3º do artigo 121 do ECA, que estabelece que, "em nenhuma hipótese, o período de internação excederá a três anos". Esse trecho da lei permitiu, por exemplo, que fosse posto em liberdade em fevereiro de 2010 um adolescente que integrou o bando que, num carro, arrastou e matou uma criança no Rio, três anos antes. É o que vai acontecer com o rapaz que recentemente matou o estudante Victor Deppman, em São Paulo. O assassino completou 18 anos três dias depois do crime.

Opositores da mudança do prazo máximo de internação consideram meramente "oportunistas" as iniciativas a respeito motivadas por algum crime recente. Nada mais falso: o tema vem sendo debatido no Congresso há 13 anos, a partir de um projeto de lei do deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS). Outros parlamentares apensaram propostas, como os líderes do PSDB Jutahy Magalhães (em 2003) e Carlos Sampaio (em 2013). A ex-deputada Rita Camata, a grande relatora (e desde então a maior defensora) do ECA em 1990, apresentou um projeto, dez anos depois, prevendo a ampliação dos prazos de internação nos casos de crimes hediondos e ligados ao tráfico de entorpecentes. Em 2003 o governador Geraldo Alckmin fez a defesa dessa ampliação, reiterada este ano, quando relançou o debate e encaminhou proposta, por meio de Sampaio. Em fevereiro de 2007, quando governador, publiquei artigo na Folha de S.Paulo defendendo a proposta de ampliação do prazo máximo para dez anos, preparada pelo então secretário de Justiça, Luiz Marrey. Acolhida pelos governadores do Sudeste, foi por eles logo apresentada aos presidentes da Câmara e do Senado.

Outro argumento contrário à alteração do ECA enfatiza que os jovens que cometeram crimes hediondos são minoria entre os infratores. E daí? A morte de apenas uma pessoa, já se disse, nos diminui. O assassinato nos ofende. E a garantia da impunidade, por força da lei, nos humilha. Ora, leis contra o crime punem mesmo é a minoria criminosa, ou seria impossível viver em sociedade. A punição dos que violam o pacto democrático é condição necessária para que o comportamento indesejável não se multiplique.

Diz-se ainda que só políticas sociais oferecem uma resposta adequada. Trata-se de preconceito inaceitável contra os pobres. Qual é a inferência? Que sua condição social os predispõe à violência? Mais ainda, vamos dizer às pessoas que aceitem, estoicamente, a morte violenta de seus filhos, maridos, mulheres e namorados enquanto não alcançamos uma sociedade desenvolvida e igualitária?

É natural e saudável que a comoção causada por eventos trágicos nos leve a refletir e cobrar providências, evidenciando a omissão do governo federal e a resistência dos petistas em fazer o óbvio. Políticas sociais, educacionais e de juventude são urgentes, mas não bastam para impedir a violência. A questão deve ser tratada com racionalidade e responsabilidade. Os brasileiros não podem ser reféns - e vítimas passivas - de disputas de caráter ideológico. A população não quer saber de dogmas ou se uma ideia é rotulada como "de esquerda" ou "de direita". Quer o combate à violência escandalosa que há no País. Criar uma oposição entre a segurança pública e a defesa dos direitos humanos é uma trapaça intelectual. Se o governo resiste, o Congresso tem de se lembrar que é ele, por excelência, o Poder que representa a vontade do povo.

José Serra
Ex-governador e ex-prefeito de São Paulo

Fonte: Estadão.com.br










Seca, corrupção e incompetência

Uma das maiores estiagens da história castiga 12 milhões de pessoas que vivem no semi-árido brasileiro, enquanto R$ 9 bilhões repassados pelo governo para combatê-la se perdem na ineficiência - e até desvios de dinheiro - do poder público

“Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário.” O romance Vidas Secas de Graciliano Ramos captou a alma de sofrimento do sertanejo no fim da década de 30, quando o Nordeste sofria com uma das oito maiores secas registradas no século XX. Setenta e cinco anos depois, 12 milhões de brasileiros de 1.415 municípios do semi-árido brasileiro ainda estão presos à imagem de terra arrasada, vendo os corpos ressecados de seu gado pregados no chão.

Algumas regiões sofrem um ciclo de estiagem que já persiste há mais de um ano. O desenho da paisagem permanece o mesmo, mas estudos de migração populacional realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que a figura dos retirantes, eternizada pelos personagens de Vidas Secas, quase não existe mais.

Programas sociais como o Bolsa Família e de socorro e incentivo a pequenos produtores do semi-árido tiveram sucesso em fixar a população em terras com clima de deserto. De acordo com o pesquisador Helder Araújo, do Ipea, há dez anos a taxa de migração interna era de 5,7%. Hoje é de 4,5%. Alguns municípios do Nordeste que tiveram sucesso com empreendimentos de irrigação, como Petrolina (PE) e Barreiras (BA), até atraíram moradores de outros estados. Mas este cenário positivo não se repete nas obras de infraestrutura. Todos os anos, o governo federal coloca à disposição das autoridades locais aproximadamente R$ 9 bilhões para combate à seca, em programas de gestão hídrica, construção de barragens, canais e ampliação de perímetros irrigados. E todos os anos a maior parte desse dinheiro fica retido nos cofres da União, pois os projetos municipais e estaduais não têm qualidade mínima para atender as exigências – algumas razoáveis, outras puramente burocráticas – de Brasília. Desde julho do ano passado, 34 relatórios sobre a situação das regiões atingidas pela estiagem foram devolvidos aos prefeitos por falhas técnicas e o repasse de recursos foi adiado.

Outra parte do dinheiro se perde em desvios ligados a conhecidos esquemas de corrupção. A mais ambiciosa obra em áreas de estiagem no Brasil – a transposição do Rio São Francisco – é um bom exemplo da situação. Em 2009, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva empreendeu uma caravana para visitar as obras da transposição, orçada em R$ 4,5 bilhões. Quatro anos depois, o custo do empreendimento subiu para R$ 8,4 bilhões e a transposição continua no papel. Segundo auditoria oficial, cinco dos 14 lotes licitados da obra apresentam fraudes na aplicação dos recursos públicos.

Neste ambiente, as ações emergenciais cumprem uma função dupla. São obviamente eleitoreiras e humanamente indispensáveis. O governo federal já investiu R$ 800 milhões na compra de cisternas, recipientes que comportam até 16 mil litros de água e podem abastecer uma família por seis meses. Sem critérios claros para a distribuição das cisternas, elas se tornaram até um instrumento para a especulação imobiliária. No Distrito de Rajada, Zona Rural de Petrolina (PE), um terreno de 30 metros quadrados acumula três cisternas, uma fartura que é sinônimo de privilégio e desperdício. Em determinadas regiões do Maranhão, não é possível instalar porque as casas não têm telhados de cerâmica, revelou um técnico da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, em reunião com a bancada de deputados maranhenses. “O Maranhão foi contemplado com 4.300 cisternas, mas apenas duas mil foram instaladas. A população é tão pobre que as cisternas serão devolvidas para o ministério”, conta o deputado Simplício Araújo (PPS-MA).

Mesmo numa emergência tão grande, a vida não deixa de ser como sempre foi. Quem pensa que a palavra dificuldade sempre rima com solidariedade pode se surpreender. Não faltam denúncias de troca de favores entre chefes políticos locais. Em Delmiro Golveia (AL), o prefeito Luís Carlos Costa se negou a contratar um empresário selecionado pela Defesa Civil porque ele faria parte do grupo político adversário. Em Petrolina, a população denunciou a existência de pelo menos sete carros-pipas fantasmas. Eles constavam na prestação de contas da prefeitura, mas não apareciam nas comunidades.

Na construção das barragens – método de armazenamento da água da chuva – os exemplos de corrupção e mau uso do dinheiro público se repetem. Por conta do alto nível de evaporação, o retorno em gestão de recursos hídricos não representa sequer 20% do dinheiro investido para a construção das estruturas. Somente este ano, o Ministério Público de Alagoas, Pernambuco e Ceará abriram seis ações para investigar desvios de recursos na construção de barragens. O Tribunal de Contas da União (TCU) também investiga o sumiço de R$ 800 mil destinados a obras da adutora do Agreste, entre Caruaru e Santa Cruz do Capiberibe (PE). A Polícia Federal, por sua vez, descobriu esquema que desviou R$ 48 milhões em convênios.

A dificuldade do País para enfrentar a seca é histórica e se arrasta por anos. As ideias se sucedem, os planos se multiplicam, mas raras vezes se consegue levá-las adiante de forma coerente. A miséria pode ser amenizada, e é bom que isso aconteça. Mas a seca, desde o início de século XXI, mostra um drama que se repete, como se viu há poucos dias. Apresentado há cinco anos, o projeto 2.447/07, que institui a Política Nacional de Combate às Secas, passou um longo período esquecido. Na semana passada, deputados nordestinos tentaram sensibilizar os colegas para tratar do assunto. Mas a proposta não foi votada sob um argumento cuja lógica é difícil de ser desafiada: a demora para a discussão foi tão grande que já era tarde demais para se fazer alguma coisa. Para o professor de engenharia florestal da Universidade de Brasília, Eraldo Matricardi, a falta de orientação à população é o principal obstáculo ao fim dos grandes transtornos por longos períodos de estiagem. Para ele, técnicas simples de sobrevivência, que possuem baixo custo e seriam de grande utilidade, nem sequer são repassadas aos moradores de re­giões atingidas. “O poder público não se preocupa em ensinar estratégias fáceis, como colocar garrafas enterradas para evitar a mortalidade das plantações. Técnicas simples de irrigação também não são ensinadas e as populações continuam dependendo dos projetos megalomaníacos dos governos”, avalia o professor.

Josie Jeronimo e Izabelle Torres. 

Fonte:

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O DESAFIO DA CONVIVÊNCIA

A estiagem e a seca em um novo contexto do semiárido brasileiro.

A estiagem é um fenômeno da natureza. A fome, a miséria e a morte daí decorrentes, porém, são produtos da ação humana e das políticas dirigidas a essas regiões e populações. Não são, portanto, fenômenos naturais. A seca é política.

Hans Von Manteuffel / Arquivo ASA

Chuvas irregulares e mal distribuídas são características do Semiárido. Significa chover em alguns lugares mais que em outros e que nem sempre as águas que caem são suficientemente armazenadas para atender às necessidades das pessoas. Quando esse processo se intensifica, há as grandes secas. Desde 2010 o Semiárido brasileiro passa por uma das maiores secas dos últimos trinta anos.

Segundo a Agência Estadual de Planejamento e Pesquisa do Governo de Pernambuco, nesse estado a lavoura do milho decresceu 80,4%; a do feijão, 70,3%; as lavouras temporárias, 11,7%; e a pecuária, 28,4%. Outros dados, da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (SEI), mostram que a Bahia diminuiu em 44,4% a lavoura do feijão; 23% a da mandioca; e 8,1% a do milho. De acordo com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), a agropecuária diminuiu em 20,11%.

Esses fatos geram impactos em toda a economia e prejudicam a todos: os ricos e os pobres, os grandes e os pequenos. No entanto, são os sem-terra, os agricultores familiares, os mais pobres que sofrem perdas irremediáveis, que colocam em risco seus rebanhos, suas sementes, suas famílias e sua própria vida.

Os testemunhos e constatações nesse campo são publicados a cada dia e são irrefutáveis. No Brasil, de cada dez famílias de agricultores que vivem no meio rural, cinco estão no Nordeste, sobretudo no Semiárido. Portanto, a desestruturação é sentida diretamente nas economias locais. E, globalmente, todos sentimos esse fenômeno na elevação do preço dos alimentos.


Um fenômeno político


Nesse contexto, algo é evidente: a estiagem é um fenômeno da natureza. A fome, a miséria e a morte daí decorrentes, porém, são produtos da ação humana e das políticas dirigidas a essas regiões e populações. Não são, portanto, fenômenos naturais. A seca é política.

Por isso, é importante avaliar as estratégias e políticas que se dirigem ao Semiárido. Para tanto, vamos utilizar reflexões a esse respeito publicadas pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). A rede afirma que a seca atual, embora ainda contenha em si as mazelas e injustiças do projeto político da indústria da seca, “traz consigo outro viés que tem tornado a população mais capaz de resistir, de ser cidadã e deixar de ser manipulada”.

A existência de uma população com tais características só é possível quando associada a processos de convivência com o Semiárido. Para a ASA, estase estrutura na posse da terra e na ideia de resgate e valorização dos conhecimentos e potencialidades de agricultores e comunidades, na construção de inovações sócio-organizativas de produção, de economias baseadas na solidariedade e na participação.

No entanto, para que a convivência com o Semiárido se torne paradigma dominante na região, máxime nas políticas, será preciso, primeiro, derrotar a hegemonia do combate à seca.

Nesse sentido, a ASA destaca:

“No Brasil e no Semiárido, as secas sempre foram oportunidade fértil para as oligarquias aumentarem suas posses de terras, se locupletarem dos recursos públicos, conseguirem, com recursos públicos, obras vultosas e caras para beneficiar suas propriedades e de seus comparsas políticos, enraizarem seu poder político à custa da miséria da população, exposta em filas à busca de gotas de água e migalhas de alimentos. Aliadas a esse quadro, as secas expulsam de suas terras e de seu torrão natal centenas de milhares de cidadãos do Semiárido…

A oligarquia e os políticos dela oriundos e a ela ligados sempre explicaram esse fenômeno como algo de responsabilidade da natureza, esquecendo-se, intencionalmente, das decisões políticas deles próprios e dos governantes. Creditam, assim, à natureza aquilo que é responsabilidade e resultado das decisões políticas”.

Reconhecendo os avanços e limites do que está sendo feito hoje, a ASA afirma:

“Efetivamente muitas políticas e programas se espalham pelo Semiárido, tornando-o, de certo modo, diferente, mais humano, mais adequado à convivência com o clima e suas intempéries…

Eis alguns exemplos:

O Bolsa Família, acrescido do Bolsa Estiagem, enquanto ações emergenciais; a extraordinária malha de captação de água construída no Semiárido através das cisternas, resultado da ação de vários parceiros que com isso se envolveram, especialmente a ASA e o governo federal; essa malha, contando com mais de 700 mil cisternas de consumo humano, armazena milhões de litros de água outrora desperdiçados e o faz de forma democrática e desconcentrada; a malha de captação e distribuição de água para produção e dessedentação de animais, através das mais variadas tecnologias sociais; as adutoras e processos semelhantes de abastecimento da população.

As ações do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e de compra da alimentação escolar (Pnae), que estruturaram propriedades, criaram e enraizaram bancos de sementes e processos de armazenamento de grãos e sementes; o crédito destinado à agricultura familiar e os processos de assistência técnica, embora ainda carentes de uma adequação mais radical à realidade do Semiárido e agroecologia e carentes, igualmente, de uma radical desburocratização; os processos agroecológicos implementados, especialmente em razão da teimosia de ONGs.

Todos esses processos fizeram que o Semiárido estivesse um pouco mais preparado para esta seca… e atravesse-a com vida digna”.

No entanto, se todos esses elementos são importantes e fundamentais, é estratégico deixar claro que esses processos ainda não são políticas universalizadas e, por isso, a miséria e a fome perpassam o Semiárido neste momento.

Enquanto elemento estruturante e essencial para efetivação da plena convivência com o Semiárido, a ASA é enfática sobre a urgente necessidade de enfrentar o problema do acesso à terra na região. Para tanto, destaca:

“Em todo tempo, mas especialmente numa época de seca, é perceptível a necessidade de uma reforma agrária eficiente e adequada ao Semiárido, para garantir terra para as pessoas viverem e trabalharem [...]. O governo, no entanto, teima em ignorar esse problema. Efetivamente, ou se disponibiliza o acesso à terra ou milhares e milhares de famílias do Semiárido nunca terão as efetivas condições de conviver com o Semiárido, porque lhes faltará o espaço necessário para guardar a água, produzir e armazenar alimentos, criar animais, plantar”.

Indo além, constata-se que a convivência com o Semiárido está direta e umbilicalmente associada à cultura do estoque. Estocar é uma estratégia que muitas famílias da região já praticam e que precisa ser ampliada e incentivada. Por isso, o limite da terra impede a convivência e a vida no Semiárido.


A convivência na prática


A ASA, ao falar em cultura, política e estratégia de estoque, expressa a necessidade de que a assistência técnica, o crédito, as infraestruturas e todas as ações desenvolvidas com os agricultores na região explicitem e dinamizem essa perspectiva. Essa não é uma dinâmica nova na humanidade, mas uma característica principalmente de regiões em que as condições para plantio são temporais e exigem estratégia de manutenção e armazenamento de alimentos.

Aqui, ao dar relevo a essas estratégias, estabelecemos uma relação com o que vem fazendo a ASA em parceria, sobretudo, com o Estado brasileiro e a cooperação internacional:

1) Estocar água para os períodos de poucas chuvas. Os programas Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC) e Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da ASA, têm garantido as condições mínimas das famílias terem acesso à água para o consumo humano e para a produção. Atualmente são mais de 700 mil famílias com água para o consumo humano, o que corresponde a aproximadamente 3,5 milhões de pessoas. Alegra-nos constatar que a proposta de cisternas da ASA se transformou no Programa Cisternas do governo federal, que busca atender a 1,25 milhão de famílias e, por conseguinte, contemplar 6,25 milhões de pessoas.

2) Selecionar e estocar as melhores sementes nativas para o plantio nos anos seguintes e armazenar também para o consumo. Essas práticas garantem às famílias camponesas um forte grau de soberania sobre sua produção e seu alimento, além de preservar os conhecimentos locais e possibilitar a construção de relações solidárias, gerando autonomia e consciência político-organizativa, e fortalecendo as redes locais de troca e produção de conhecimentos e material genético. Hoje, em razão do trabalho de centenas de organizações, estão estocadas em casas comunitárias de sementes dezenas de variedades de sementes agrícolas crioulas. É essa prática que ainda tem preservado as sementes crioulas da contaminação dos transgênicos e de outras iniciativas do agronegócio que degradam os conhecimentos tradicionais e a biodiversidade.

A instalação de uma unidade da Monsanto, uma das dez maiores empresas multinacionais de produção de agrotóxicos e sementes híbridas, na cidade de Petrolina, no Semiárido pernambucano, constitui forte ameaça à agricultura familiar camponesa na região. Iniciativas dessa natureza dialogam com um modelo de desenvolvimento rural ultrapassado quando olhamos as dimensões da sustentabilidade, uma vez que está baseado na dependência de insumos, no esgotamento dos recursos naturais e na degradação socioambiental.

Esse tipo de investida, que conta com apoio do Estado brasileiro, segue na contramão de uma necessidade planetária de mudança no padrão de produção e consumo, que permita minimizar as mudanças no clima e como consequência os impactos nas populações mais vulneráveis, entre as quais aquelas do Semiárido brasileiro. Também se torna contraditório na medida em que outras estratégias são percebidas, como é o caso da criação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo).

3) Estocar alimento para os animais valorizando o cultivo e uso de plantas da Caatinga é algo também significativo. São várias as estratégias adotadas pelas famílias, desde o cultivo de espécies como palma e mandacaru, essenciais para a manutenção dos rebanhos. As práticas mais comuns são os campos de proteínas com espécies forrageiras e o manejo sustentável da Caatinga, assim como as práticas de armazenamento com o feno e o silo.

4) A criação de raças adaptadas ao clima e às necessidades das famílias integra também as preocupações relacionadas às condições de viver e produzir no Semiárido. No entanto, não é difícil encontrar iniciativas, muitas delas com financiamentos públicos, que estimulam a criação de raças de animais com origem em climas não semiáridos, sob a alegação de melhoramento genético.

5) Outra iniciativa estratégica na convivência com o Semiárido e que tem gerado transformações para muitas famílias na região são os Fundos Rotativos Solidários (FRS). Esses fundos, cuja gestão é feita pelos próprios grupos e associações locais, têm possibilitado o acesso rápido e desburocratizado a pequenos recursos que são utilizados principalmente para incrementos de infraestruturas produtivas: melhoria de cercas, bombas para pequenas irrigações, melhoria dos currais dos animais, equipamentos para criação de abelhas, equipamentos para beneficiamento da produção, máquinas para produção de forragem, entre outras necessidades. Esses recursos, em sua maioria oriundos de apoios internacionais, têm possibilitado uma maior participação das mulheres, sobretudo nas atividades econômicas da produção familiar. Esse tipo de iniciativa econômica favorece a construção de laços de solidariedade entre as pessoas, organizações locais e comunidades, de modo que a inadimplência no repasse dos recursos é insignificante do ponto de vista percentual. O governo, no entanto, atua com enorme resistência quando se trata de ampliar essas experiências e nelas injetar recursos.

Muitas dessas práticas de convivência com o Semiárido estão registradas nos boletins O Candeeiro, ferramenta de comunicação utilizada pela ASA para disseminar esses conhecimentos, assim como na plataforma “Agroecologia em Rede”, um sistema de informação sobre iniciativas em agroecologia de iniciativa da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

A história é dialética. Desse modo, importa perceber o significado desse conjunto de estratégias de convivência com o Semiárido, todas simples, acessíveis, protagonizadas pelas famílias agricultoras e que contam, em muitos casos, com o apoio dos governos; importa reconhecer os avanços no campo das políticas públicas para a agricultura familiar camponesa. No entanto, isso é muito pouco.

Assim, é preciso questionar profundamente iniciativas que vão de encontro a esses processos, como a continuidade de investimento em grandes obras no Semiárido, em sua maioria excludentes e que reproduzem as políticas de combate à seca, entre as quais a transposição do São Francisco; questionar o financiamento de projetos que degradam a biodiversidade e esgotam os recursos naturais; questionar a omissão do governo no que se relaciona ao problema do acesso a terra; questionar o persistente modelo de assistência técnica que desvaloriza os conhecimentos locais e apregoa a dependência de insumos químicos, assim como a falta de investimentos em uma matriz energética que preserve os recursos naturais e biológicos e iniciativas que colocam em xeque a soberania alimentar e nutricional da população do Semiárido e sua autonomia política nas decisões sobre caminhos para uma vida com mais dignidade.

Naidison de Quintellla BaptistaEducador, secretário executivo do Movimento de Organização Comunitária (MOC)
 e coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)
Antonio Gomes BarbosaSociólogo e coordenador do Programa P1+2: 
Uma Terra e Duas Águas, da Articulação do Semiárido Brasileiro/ ASA
Alexandre Henrique Bezerra Pires
Biólogo, mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento
Local pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
e coordenador-geral do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá.

Fonte: http://blogs.diariodepernambuco.com.br

Nova espécie de porco-espinho é descoberta por cientistas brasileiros

Animal habita trecho preservado de Mata Atlântica, em Pernambuco. Maior ameaça à espécie são os humanos, dizem pesquisadores da UFPE.

Animal da espécie 'Coendou speratus', cujo nome remete à palavra em latim para esperança (Foto: Antonio Rossano Mendes/UFPE/AP)

Uma nova espécie de porco-espinho foi descoberta no estado de Pernambuco, em uma área preservada de Mata Atlântica, e descrita em um estudo publicado na última semana no periódico científico "Zootaxa". O animal foi identificado por uma equipe de pesquisadores liderada pelo professor de zoologia Antônio Rossano Mendes Pontes, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

O animal, coberto com espinhos castanho-escuros com a ponta avermelhada, é conhecido pelos moradores da região como "coandu-mirim", segundo a agência de notícias Associated Press. Ele foi batizado de Coendou speratus pelos pesquisadores.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

A emergência da seca

O anúncio de liberação de recursos bilionários para o combate dos efeitos de uma estiagem perversa para a população nordestina - a mais cruel dos últimos 50 anos, pelo menos - não poderia deixar de estar cercado de expectativas. Mas não de muita esperança. Afinal, não é de hoje que a seca castiga o Nordeste. E não é de hoje que presidentes da República aparecem na região, para realizar discursos recheados de preocupação, e tentar acalmar os ânimos com promessas de obras e dinheiro com a rubrica de caráter emergencial.

Em reunião com sete governadores e três vice-governadores na última terça-feira, em Fortaleza, a presidente Dilma Rousseff repetiu o figurino velho conhecido na história do flagelo. Se há de se dar um crédito pelo pacote que ainda não foi feito, em nome da confiança e do cumprimento da palavra presidencial, infelizmente não se pode eximir nem o governo atual, e muito menos a gestão petista no Planalto - que ultrapassa o período de uma década - pela ausência de políticas consistentes para reduzir a agonia da seca. O PT não foi capaz, até agora, de vencer o círculo vicioso da catástrofe social e econômica que emoldura tradicional exploração política, em que o sofrimento humano é tratado como oportunidade que se renova, e não, como situação extrema intolerável.

O novo pacote chega ao montante de R$ 9 bilhões, inclui medidas como a prorrogação de benefícios (Garantia Safra e Bolsa Estiagem), a renúncia fiscal com a renegociação de dívidas dos agricultores e a aquisição de máquinas pesadas, como retroescavadeiras e motoniveladoras, através do PAC Equipamentos, lançado no ano passado. E ainda, acréscimo de 30% na oferta de carros-pipa, subsídio à compra de milho e construção de cisternas. A presidente Dilma fez questão de frisar a natureza de emergência das ações, e ressaltou que elas fazem parte dos direitos do povo nordestino, e não devem ser vistas como "um favor da presidenta". Será que alguém ainda enxerga favores de qualquer governo, no cenário persistente de calamidade proporcionado pela estiagem, ano após ano?

Em secas prolongadas como a atual, a condição de penúria das pessoas e de falência dos municípios impõe o ceticismo como reação ao que soa, à maioria dos ouvidos, como mais do mesmo. Aprisionados no círculo vicioso do assistencialismo, prefeitos reclamam da burocracia para a chegada efetiva dos recursos, enquanto a população recorda os desvios do dinheiro público em assaltos hediondos que se aproveitam da calamidade. Obras abandonadas e projetos redentores inacabados ou engavetados completam o panorama de descrédito que não se altera com a promessa da irrigação de recursos, como costumam dizer os gestores, "injetados na economia". Os R$ 7,6 bilhões injetados nas 1.145 cidades da seca pelo governo Dilma, segundo anotou o colunista econômico do JC, Fernando Castilho, representa a metade do que o BNDES emprestou ao empresário Eike Batista. Ou seja, sequer o valor bilionário do pacote pode ser tido como algo extraordinário.

Carlos Alberto Sardenberg

 Fonte: O Globo

A baixa atratividade da carreira do magistério

Um dos fatores que mais contribuem para o baixo desempenho escolar e a estagnação observados no ensino médio é a escassez de professores, particularmente nas disciplinas de química, física, biologia e matemática. Com o crescimento das matrículas na educação profissional, problema similar começa a se desenhar com a mesma intensidade nessa modalidade de ensino. Ambas as modalidades são estratégicas para o Brasil e têm tudo a ver com a nossa juventude.
Nos últimos cinco anos, a expansão da educação profissional saltou de 928 mil matrículas para 1,36 milhão em 2012. O investimento também apresentou aumento importante nesse mesmo período, saindo de R$ 2 bilhões para R$ 7,6 bilhões. De acordo com dados levantados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil demandará, até 2015, cerca de 7 milhões de técnicos. Mas, para que esse esforço nacional seja bem-sucedido, além de dinheiro, será preciso que haja mais gente qualificada para ensinar, para formar técnicos.
Recente auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) revelou um deficit de 8 mil professores em institutos federais de educação técnica, o que equivale a 20% dos profissionais necessários. Esse deficit atinge toda a rede de 442 câmpus em funcionamento no país. As consequências desse déficit docente são a evasão, os baixos índices de conclusão e o elevado índice de insatisfação por parte dos concluintes, algo em torno de 60%, segundo o TCU.
No ensino médio, o deficit de professores é muito maior, algo em torno de 250 mil professores; nas disciplinas acima mencionadas, esse deficit é de 150 mil. A pergunta central que todos fazem é: como reverter esse quadro? Como tornar atrativa a carreira docente? Enquanto o desafio da atratividade não for resolvido, será difícil sair da estagnação do ensino médio e avançar com qualidade para o ensino técnico, apesar dos crescentes investimentos do governo no setor.
A saída passa, a meu ver, por um pacto nacional para melhorar a atratividade da carreira — que envolve, na essência, quem emprega e quem forma —, intermediado pelo Ministério da Educação (MEC). Ou seja, é preciso envolver os governos e as universidades. Eventualmente, as empresas, no caso da educação profissional.
Iniciativa que o MEC vem gestando nessa direção é o programa Quero Ser Professor, com foco no ensino médio, que envolve um conjunto de projetos interligados que traduzem esforço conjunto em prol da atratividade da carreira do magistério. Na essência, o programa engloba três pilares: certificação pós-graduanda para os professores da rede de ensino e impacto no plano de carreira, clusters para o desenvolvimento do ensino integrando professores e alunos das universidades e das redes de ensino, e o projeto Nenhum Aluno para Trás, destinado aos alunos das licenciaturas. Outra boa iniciativa do MEC foi a implantação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), para alunos dos cursos de licenciatura. Hoje já são quase 50 mil bolsas implantadas.
No campo da educação profissional, iniciativas importantes de ampliar a escolaridade e a qualificação do trabalhador começam a surgir no país. Nessa direção destacam-se o movimento A Indústria pela Educação, encabeçado pela Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), e o movimento A Educação para o Mundo do Trabalho, iniciado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), ainda em fase de incubação. Acredito que ambos devam incorporar o desafio da atratividade da carreira do magistério à agenda, para que as demandas atuais e futuras sejam atendidas com qualidade.
Os recursos existem e devem ir além da infraestrutura predial. Devem ser empregados para atrair jovens para o magistério, de forma que a carreira se torne objeto de desejo, como ocorre nos países que estão no topo da educação mundial. É o caso de Coreia do Sul, Finlândia, Canadá e Cingapura.
O Brasil começa a se destacar no cenário mundial, com muitos atrativos e oportunidades de negócios. É o país do 7º PIB mundial e precisa, mais do que nunca, para acelerar o crescimento, de bons professores, em quantidade suficiente para atender as demandas de formação, tanto do mundo do trabalho quanto do ensino superior. O que está em jogo, portanto, é o futuro da nossa juventude, que precisa ser preparada para os desafios globais — e isso exige uma boa educação.


Mozart Neves Ramos 

Fonte: Correio Braziliense

Aprovação a Dilma mostra que o Brasil “encherga” bem

Há uma grita injustificada no caso das provas semianalfabetas do Enem. Não dá para entender tanta indignação. Há anos o governo popular vem preparando o Brasil para a grande revolução educacional, pela qual a norma culta se norteará pelo português falado nas assembleias do PT. Como se sabe, depois de uma blitz progressista da presidente Dilma Rousseff e do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, livros didáticos passaram a ensinar que é certo escrever “nós pega o peixe”, entre outras formulações revolucionárias

Alguns especialistas teriam argumentado que o certo seria “nós rouba o peixe”, mas isso já é discussão interna deles.

Numa das redações que levaram nota máxima no Enem, o candidato escreveu “enchergar” — com “ch” em vez de “x”. Não há reparo a fazer, está perfeito o critério. Depois de três anos deixando o Enem à mercê dos picaretas, pois estava muito ocupado com sua agenda eleitoreira, Haddad elegeu-se prefeito.

Um fenômeno desses jamais aconteceria num país que enxerga - só num país que “encherga”. Está corretíssima, portanto, a observação por parte do estudante da nova norma culta.

Os que veem algum erro nisso não sabem acompanhar as velozes mudanças da língua,comandadas pela nova elite. O relato de Dilma Rousseff sobre seu encontro com o papa Francisco também mereceria nota máxima no Enem. Contou a presidente: “Ele estava me ‘dizeno’ que espera uma presença grande dos jovens (na Jornada da Juventude), na medida em que ele é o primeiro papa, ele é várias coisas primeiro”. Os corretores progressistas do Enem só dariam nota 1.000 a uma construção dessas porque não existe 1.001.

O novo recorde de aprovação que acaba de ser batido pelo governo e pela “presidenta” só comporta duas explicações possíveis: ou o Brasil está “enchergando” bem, ou o Brasil está “enchergano” bem. Qualquer das duas hipóteses, porém, garante imunidade total à “presidenta” (que também é várias coisas primeira). Ela pode passear de helicóptero sobre

as enchentes de Petrópolis e depois pousar, como uma enviada do Vaticano, para rezar pelas vítimas. Os desabrigados de dois anos atrás na mesma região continuam sem as casas prometidas pelo governo popular. Há famílias morando em estábulos. Alguns quilômetros serra abaixo, casas oferecidas pelo governo popular para removidos de áreas de risco foram inundadas pelas últimas chuvas. Moradias do programa Minha Casa Minha Vida oferecem como bônus minhas goteiras, minhas rachaduras na parede.

O povo deve estar “enchergano” tudo isso, porque acolhe o helicóptero de Dilma como um disco voador em missão turística e reza com ela na igreja local, pedindo proteção a não se sabe quem.

A aprovação popular ao estilo governamental de Dilma é comovente. Quem distribui as verbas federais contra enchentes é o ministro da Integração, Fernando Bezerra Coelho — aquele que mandava cerca de 80% do dinheiro para Pernambuco, por acaso seu domicílio eleitoral. As enxurradas podem levar casas e povoados inteiros, mas nada arranca Bezerra do cargo. A cada nova intempérie, é ele quem surge para rechear os comícios chorosos de

Dilma com cifras voadoras, que servem basicamente para drenar as manchetes. Ainda de Roma, a chefa suprema da nação declarara que tomará “medidas drásticas” para remover os teimosos que insistem em morar em áreas de risco. O Brasil merece isso tudo.

A população culta também está “enchergano” bem. Todos chocadíssimos, batendo panela contra o pastor acusado de homofobia - nomeado para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Quem manda na Câmara? Quem fica caçando votos dos evangélicos, distribuindo vantagens a seus líderes, como o famigerado Ministério da Pesca? “Nós pega o peixe e entrega ao pastor”, reza a norma culta do governo popular. Quanto maior o rebanho, melhor a boquinha. Comissão de Direitos Humanos é troco.

Evidentemente, uma redação do Enem que enxergasse, com “x”, que o Brasil e suas instituições estão emprenhados de ignorância pela indústria do populismo levaria nota zero.A revolução petista não tolera esses arroubos elitistas. Prefere receita de miojo.

Coluna
Guilherme Fiúza