domingo, 14 de setembro de 2014

No "troca-troca" de Caruaru, uma briga em cada transação

Nesta cidade só fica doente quem quer. Isto, pelo menos, é o que está berrando a pleno pulmões, agitadíssimo em meio à multidão, o pernambucano João Torquato. Ele não é médico, nem candidato a coisa alguma. É camelô, vendedor de ervas medicinais, e jura que elas curam, "na hora", dor de barriga, alcoolismo, mau-olhado, aleijão, parto mal sucedido, doidice.

— Quero ficar ceguinho da gota serena se o problema do doutor aí não ficar resolvido.

E aponta para o primeiro que lhe convier, tenha ou não indícios dos males que ele se propõe a curar com sua erva.

O cenário de João Torquato é a vasta feira de Caruaru, e seus espectadores — muitos até acreditam que as ervas do homem fazem mesmo aqueles milagres todos — são os que vêm participar desse impressionante "troca-troca", ou gente atraída pelo que se fala dessa feira famosa, que tem de fato quase tudo — e, o que é novidade para muitos: alguns de seus barraqueiros não se preocupam apenas em vender, mas aceitam trocas, também, evidentemente levando vantagens. Matreiros e bons comerciantes são, igualmente gentis e muito ciosos da fama do lugar. Quando percebem, pelo sotaque e pelas roupas, que o comprador é visitante — turista, como chamam a todos que não são daqui — desdobram-se em atitudes de respeito e contam mil vantagens sobre a feira de Caruaru.

O "troca-troca"

De qualquer modo, esta feira, mesmo diante do risco de se pagar por uma peça de artesanato primário o dobro de seu preço real, chega a ser divertida e até um espetáculo alegre e agradável para se ver. Não tem, como a maioria das feiras, aquela legião de pedintes, nem sanfoneiros ceguinhos. Mas em cada esquina está o conjunto regional, de zabumba e tudo, atacando um "coco ferrado" ou deliciando o público com um xaxado no melhor ritmo nordestino. Nos conjuntos, cantores e tocadores apresentam-se vestidos à caráter, com roupas vistosas. E dá gosto ver a seriedade com que cada um executa seu papel. Principalmente a batida do zabumba é coisa tão gostosa que muita gente fica por ali disfarçando, marcando o ritmo no pé ou — como acontece a cada instante com um mais descontraído — cai mesmo no xaxado — que nordestino do bom não é de ferra para ver e ouvir aquilo sem dançar. E, a julgar pelas roupas, pela beleza dos instrumentos, o "pinga-pinga" dos que querem dar alguma coisa pelo espetáculo deve render bem.

Mas, além do coco e do xaxado, a feira de Caruaru tem outras mil coisas para se ver. Por exemplo, a barraca do velho Emidio. Há ali armas de todos os tipos, bacamartes do tempo do Onça, peças que o velho diz terem pertencido a Lampião.

Na feira faz-se as mais incríveis barganhas. Troca-se de tudo: faca-peixeira, arma de fogo velha ou nova, troca-se jegue (jumento) por passarinho, peças de ferro-velho por chapéu de couro. E como as leis que regem o troca-troca são as da matreirice, como o bom trocadeiro é aquele que sai ganhando, são frequentes os rolos e a brigalhada. De tal modo que quem quiser ver uma briga é só ir à feira na área do "troca-troca". Vai ver brigas das boas e, se não tomar cuidado, vai levar sobras também.

Mas, na verdade, nessas brigalhadas todas e nos resmungos de todas as esquinas, ninguém mata ninguém. É só correria, "arrumação", como eles próprios definem as confusões de cada instante no "troca-troca".

Os pássaros

O comércio de pássaros é mais uma atração dessa feira sensacional. Alguns dos preços: Patativa, 10-15 cruzeiros; azulão, 100 cruzeiros; avinhado, 15-20 cruzeiros; "passo" preto (graúna), sendo bom cantador — e o bom cantador tem sempre o olho furado, 60 cruzeiros; galo de campina, 200 cruzeiros. Foi por isso, por causa da cotação de seus "campinas" que o José Severino dos Anjos andou às turras com o Severino Tomás. Muito conhecido como malandrão, o Zé Severino achou que seus "campineiros" valiam muito mais do que o jegue do outro. Foi, por isso, chamado de ladrão com todas as letras, resultando daí a milionésima correria do dia na área do "troca-troca". E Severino Tomás, bufando de "reiva" (raiva no meio dos "deixa-disso"), insistia nos insultos.

— Dar um jegue "pai-d'égua" desses, como não há no Caruaru por meia dúzia de "campina", só mesmo aquele safado da "mulesta" pensa nisso.

E a derradeira ameaça, sem consequências como todas as demais, no melhor estilo cantante do nordestino:

— Mas esse condenado me paga.

Fonte: Internet

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