domingo, 7 de setembro de 2014

Carro de boi



Laura Della Monica

Desde que o homem começou a prender-se à terra, e a pedir-lhe alguma coisa mais do que ela espontaneamente lhe dava, surge o carro de bois, disse Luís Chave, escritor português. Com a invenção da roda, a humanidade deu um passo à frente, promovendo o desenvolvimento da comunidade no sentido de progresso. A domesticação dos animais ajudou muito para que o transporte fosse melhor aplicado. Assim, o boi sagrado, foi para o sacrifício: serviria de meio de transporte ou seria comido.

O velho mundo se utilizou do transporte tendo o boi preso às suas ordens; prestava serviços na paz e na guerra, levava e trazia produtos e bugigangas e muita gente; enfim auxiliou o mundo civilizado. As gravuras ilustram a existência de carro de boi na China durante as Dinastias de Han (202 AC), na Mesopotâmia, no tempo do rei Tiglatpilasar, III (730 AC). A Bíblia se refere ao uso do carro tirado por bois ao tempo do Êxodo. A Fenícia, Ceilão, Grécia, Roma se movimentaram com o transporte bovino.

No Dicionário das antiguidades gregas e romanas, de Daremberg e Saglio, encontramos referência ao carro de boi na guerra troiana. O boi ocupava um lugar importante entre os gregos, tanto assim que em legislações como a de Pitágoras proibiam-se enviar para o matadouro os bois de trabalho, pois eles deveriam merecer um descanso mais sereno.

O carro rural tinha o nome de Amaxa, que a princípio era quase sagrado. Levava presentes a Aquiles para aplacar-se a cólera. Mais tarde foi perdendo aquela especialidade e passou a transportar madeira, pedra, colheitas, viveres e soldados. Roma utilizou demais os carros de bois e lhe dava tamanhos e modelos variadíssimos e uso diferenciado.

Assim para exemplificar citamos: carrus - pequeno carro de origem céltica ou etrusca, e o plaustrum - empregado para o campo, e usado, mais tarde, nas lavouras italianas. Era carro de duas rodas maciças que permaneceu na Península Ibérica durante longo tempo. Gemedor e chamado popularmente carro boeiro. Foi ele que veio para o nosso país, fincou as rodas nas terras brasileiras. Modesto, vagaroso, muito rústico, foi gemendo, procurando transmitir o que sentiu na caminhada por esse mundo de Deus. A princípio transportou pau-brasil; ajudou na construção de vilas e cidades, bem como as fortalezas e as casas dos senhores de engenho.

No Nordeste açucareiro foi indispensável no transporte da cana, lenha, açúcar e gente. Maximilian, Saint-Hilaire, e Lúcia de Castro Soares, P. O'Meara e muitos outros contaram a importância do "único meio de transporte" — "os viveres que consomem em São João (Del Rei), vêm das fazendas vizinhas em carros de bois, que transitam pelas ruas até que a carga esteja vendida. Falando dos produtos de Araxá e Paracatu, Saint-Hilaire comenta: 'Até Barbacena faz-se comumente viajar este último produto — o algodão — em carros de bois, que levam oitenta arrobas... passando aí para o lombo de muares'".

O carro de bois que transportava uma variedade de mercadorias foi, para isso, muito bem preparado, construído com uma técnica especial. Cada peça possui um nome que pode variar de nomenclatura de acordo com as regiões brasileiras. Duas são as peças principais:

1. O estrado, a mesa, de forma retangular ou não, tendo à frente — parte dianteira — um varal com o nome de cabeçalho. Na borda da mesa, que também tem o nome de leito ou tabuleiro, são fincadas as varas roliças — os fueiros — paus de encosto.

2. Roda-eixo — as rodas em número de duas, maciças, feitas em quatro partes, giram sobre uma peça de madeira chamada cocão. A cantadeira, responsável pelo gemido do carro, fica entre o cocão e o eixo.

As rodas se apresentaram, mais tarde, radiadas, e veremos mais adiante. O carro é dirigido pelo carreiro e pelo candieiro que o auxília. É o lamparina rapazola, geralmente filho de carreiro que está "iniciando na profissão".

Um carro de boi deve ter boa junta. O boi sempre foi selecionado e Portugal já o fazia desde 1805. É preciso que tenha certas características físicas. Deve ser ensinado e o sertanejo, experimentado, sabe fazê-lo. Exige perícia, jeito especial, carinho, linguagem e dar ao boi um nome. De acordo com a cor de pêlo, armação dos chifres, sinais no corpo, conformação física. Barro é o boi de pêlo cor de barro com várias tonalidades. Carvão é o boi de pêlo negro. Batedor é aquele que, apesar de manso no trabalho, ainda avança contra as pessoas. Moroso é o lerdo, pesadão. Há bois que possuem nomes históricos, nomes de fauna ou flora, situação geográfica, reino mineral e outros, como Sanhaço, Brilhante, Rubi, Boitatá, Cravo-Branco, Meia-Lua, Flor de Maio, Valentão, Sereno, Independência, Tuiuti, Riachuelo, etc.

O boi, depois de preparado, ocupa o lugar certo na junta. Assim há bois que só podem ficar em determinadas posições como o boi-de-coice, boi-de-guia, boi-de-meio. O boi preparado para o transporte tem o nome de: boi carreteiro, boi carreiro porque é bom para essa tarefa.

Um carro, às vezes possui de duas a dez juntas de bois, dependendo sempre do que vai transportar. Vários animais que puxam o carro podem ter diversos nomes. Falamos em junta que pode ter nome de parelha, como em São Paulo e Norte do País; fieira, como no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás; tira ou tirada, falada em Pernambuco e Paraíba e terno, muito usado em São Paulo.

É realmente muito complexo o estudo do carro de boi: seu equipamento, tipos de peças, atrelamento, suas serventias tão técnicas que exigiriam estudos muitos mais profundos.

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